sexta-feira, novembro 20, 2009

maombi kwa eshu

minha mãe é de fogo e de sal grosso. e rodopia na floresta. e voa por cima dos edifícios. e cala quieta por sobre as massas d'água. meu pai é de vento e de trovão. e cala mais alto quanto mais negra é a noite. e grita trevoso por sobre os cursos d'água e d'asfalto. e atinge prédios árvores e incautos. e é voz presente. e é luz presente. e é rasgar o céu.

pai e mãe, protege-me e abraça-me. afogue os traidores no dilúvio ancestral que pariu o mundo. queime os infiéis na fogueira do rancor divino. esse que destrói cidades e inunda. pai e mãe, leve de volta pro mundo a centelha que descansa por detrás dos olhos e que cospe fogo pela boca. pai e mãe, dança no mundo pra derrubar cada prédio árvore poste e muro que ficar em minha frente. dança pisando forte no chão, pra endurecer a terra que meus pés pisarem. dança pisando no céu, pra fazer chover quando é seco. pra fazer sol quando é triste. pra fazer raio quando é breu. pisa em minha cabeça pra quando eu levantar ficar da altura dos meus sonhos. pisa em meus calos pra quando eu lembrar que tem dor em cada sapato também tem quem lembre dos passos que já dei. pisa forte levantando poeira e som e fazendo música pra ninguém ouvir. baixinho e estrondoso. pai e mãe, protege que a gente some. abraça porque a gente tem fome, também. joga sal e vinagre em cada ferida aberta e faz cafuné se a dor for grande. escuta a prece de quem já não acredita. porque sempre é hora de fé pouca quando a dúvida é muita. abram as portas e as janelas que o chão do mundo é pouco pra tanto ar que quer sair e entrar.

minha mãe é de fogo e de sal grosso. meu pai é de vento e de trovão. meus irmãos me deixaram na escola e me mostraram a rua. e desenharam um mapa em meu corpo pra sempre que quiser me perder.

terça-feira, novembro 03, 2009

carta aberta àqueles que me odeiam (mas também aos que não me toleram, não gostam de mim, e aos que acharam que sou menos bonito do que costumava ser)

onde se lê:


sou e erro. sou humado e se não sou demasiado humano, pelo menos sou humano por muitas vezes entre a hora de acordar e a hora de dormir e erro. erro. erro. erro entre o dormir e o acordar, mas no sonhar o erro não deixa marca fora, só dentro. mas isso não conta. o que conta é que eu erro. e façam as contas dos meus erros, porque quem erra não lembra por muito mais tempo do que o necessário.

e se agora tenho problemas em conseguir fazer do dormir ao acordar uma jornada mais calma e preciso falar que sim, eu erro, é porque tem algo que esquecem e eu preciso lembrar. ouçam minha voz. olhem nos meus olhos. mágoa é cicatriz de erro que cortou a pele da calma mais fundo. rancor é nome feio pra coisa não falada. ou falada à toa, sem ouvintes, numa floresta qualquer em tunguska. eu erro, erro, e erro. mas se não ouvem minha voz e não olham nos meus olhos, fica só a voz do erro. que não muda e sempre te acorda rouca no fundo do ouvido, sussurrando algo que passou-e-não-passará-jamais. nessa voz reside só um pigarro amargo de todas as gripes mal curadas e noites em claro, com frio e sozinho.

à todos que me odeiam, me odeiem ouvindo meus olhos. olhando minha voz. sabendo quem sou eu e quem é meu erro. me odeiem, e tudo bem. me julguem, e tudo bem. mas não esqueçam que eu escuto e falo. quase ao mesmo tempo e quase sempre.


e pra quem procura a moral da história, procure andando e olhando pros lados. pra cima. pra baixo. pra si mesmo. procure no mar e no céu. procure em qualquer coisa com mais de dois lados e menos frágil que o ar que você sopra. porque todo castelo de cartas erguido sempre tem volume, cor e história. mas passado o vento, sobram apenas duas possíveis faces caídas na mesa. se o valete sorri pra você ou te dá as costas, agradeça à quem for de agradecer, mas ele sempre só vai poder te oferecer isso.

atenciosamente,

r.

leia-se:

obrigado.