quarta-feira, julho 20, 2005


balanço

no parque cheio de crianças cícero sempre preferiu o balanço. ao contrário das gangorras, dos gira-giras, dos jogos de bola, elástico, e tantos outros que as crianças brincavam, o balanço era o único que ele podia brincar sozinho e assim fazia por horas, balançando abraçado às cordas, esticando as perninhas gordinhas, olhando ora pro céu, ora pro chão. as outras crianças eram apenas parte do cenário, a trilha sonora de gritos. coadjuvantes do grande protagonista do brinquedo supremo: cícero, o ás do balanço.


num dia preguiçoso era um balançar mole e devagar, olhando pro chão e chutando pedrinhas. mas os dias que ele mais gostava era quando vinha correndo pro parquinho, pulava no brinquedo e jogava as pernas pro ar. podia ir alto se balançasse com força, e não precisava de mais ninguém.



até que alguém carinhosamente deu um empurrãozinho com mãos leves, e ele viu que podia subir bem mais alto.
enquanto subia, ele e o céu trocaram sorrisos.

domingo, julho 17, 2005



parece que o mundo tá apodrecendo, mas a gente não.
feliz nós dois.
14.05.05






(baseado em frase da diva, dita por aqui)

quarta-feira, julho 06, 2005



epílogo: (e agora ia dormir envolto em brumas. tossia e era manhã)


pegou a caneta e acendeu o primeiro cigarro. o bloco de notas esperava complacente, a brancura da folha pedia para ser maculada. puxou longamente o seu primeiro trago. a sala estava tão sozinha que dava para ouvir o papel do cigarro queimando enquato aspirava a fumaça que fazia arder sua garganta, era quase como se nem ele estivesse lá. expirou suavemente a fumaça amarelada e densa. esperava que das formas efêmeras que evoluiam na sua frente pudesse, tal qual como num oráculo, prever sua próxima cartada, seu próximo grande texto, seu próximo lampejo de genialidade e originalidade. mas a folha de papel continuava branca e a caneta em sua mão continuava fechada. tamborilava sobre a mesa, desritmada.

acendeu o segundo cigarro

era um novo bandini, era um incompreendido. um van gogh das letras. mordia a tampa da caneta, dava longas tragadas. ásperas. tossia de vez em quando. se engasgava. blasfemava cristina. blasfemava sua mãe. blasfemava jesus e todos os santos. não, não fazia isso. estava sentado, calmo. fumava muito rápido, agora estamos já no quarto cigarro. a folha já não era tão branca, havia resquícios de cinzas e rabiscos em toda folha. desenhava estrelas ou pentagramas. era a única coisa que tinha aprendido de luciana. uma linha reta assim, depois desce assim, e faz isso, isso e isso. fazia isso durante as aulas. fazia isso enquanto interpretava o seu eu-estou-prestando-atenção. fazia isso ao telefone. tinha virado um mestre. um van gogh das estrelas.

o cinzeiro transbordava as cinzas do seu décimo segundo cigarro

cuspia fora a tampa da caneta, completamente mastigada. acendia o décimo terceiro cigarro. desistia de fumar, agora doía. jogava pela janela mesmo. tomara que cause um incêndio. desistia de desistir. maldizia o mundo inteiro lá embaixo. maldizia a maldita carteira de lucky strike. maldizia os malditos quase três reais que ele havia juntado de moedas achadas em bolsos, na carteira e no armário. iria maldizer todo o sistema monetário, financeiro, capitalista, maldito e infâme, mas cometeu um deslize sociológico e maldisse marx, engels e toda a corja vermelha. vociferava, ele mesmo vermelho. não, não fazia isso. pensava, apenas. acendeu o décimo quarto cigarro.

amassava a carteira de cigarros vazia e jogava no chão mesmo

reclinava a cabeça pra cima e dava a última baforada. apagava o cigarro no tampo da mesa. a caneta há muito já tinha sido largada de lado, depois de horas rabiscando o legado de luciana. o bloco não vira tocar em seu corpo nenhuma palavra, mas longe do novo bandini estar triste. olhou com uma sensação semelhante à um alívio enorme e contemplou a sua grande obra. abriu um sorriso leve.
tinha criado um universo.