sábado, abril 22, 2006

máquina de nóia

então o orkut instala uma nova opção que possibilita você ver quem andou visitando o seu profile e causa o maior rebuliço na internet sendo até motivo de conversas agitadas em festas. claro que essa opção também possibilita que você esconda o seu profile quando for visitar os alheios, mas dessa maneira você também não sabe quem andou visitando o seu profile e lá vai então mais agitação.

que a internet foi lançada com o único intento de se elaborar maiores e mais complexas formas de stalking não é nenhuma novidade, mas até o advento do orkut nada foi tão mais explorado como ferramenta e meio de perseguição, xeretismo e fofocagem do que o site de relacionamentos. toda uma práxis do stalking foi recriada devido às possibilidades que o relationship networking possibilitou, de navegação em rede indo de perfil em perfil, até mesmo pelo fato de que muita gente não sabe usar o orkut.

o que é um scrapbook? um livro de recados PÚBLICO, até aí nada de novo. mas tem gente que esquece? uma mensagem pessoal e de foro íntimo, que pode ser transformada numa "conversa" de recados e que TODOS os milhões de usuários podem ver, traçar um caminho, seguir link à link por origens e ramificações? deleite para um stalker?

antigamente tudo era mais difícil, você ou era um cracker e descobria senhas de email, perseguia com nicks falsos no mirc, entrava no blog e só comentava anonimamente. hoje o tempo para se dispender fazendo isso não compensa, as habilidades com ferramentas da internet não são compatíveis e as tentativas muitas vezes são infrutíferas. hoje em dia, com um mero clique no mouse tá lá você vendo o que fulaninha disse pra sicraninho na quinta feira, na sexta, no sábado. outro clique você descobre que beltraninha - aquela santinha da escola - tá numa comunidade de scat e que além de tudo é lésbica.

antes era um esforço ser um stalker, no máximo você chegava a lurker, e olha lá. depois do orkut, até quem não tinha interesse algum pela vida alheia começou a dar suas espiadinhas no scrapbook de alguém pra descobrir coisas. com o tempo, todo mundo virou stalker. eu sou stalker e você também é, meu querido. claro que todo o glamour de ser um stalker foi perdido, afinal, qual graça tem stalkear alguém que te deixa tudo de bandeija? de graça? mas aí apareceram os mais espertos e uma nova moda surgiu: apagar os próprios scraps. funciona assim, os scraps que você recebe, você mesmo lê, responde e apaga. não fica mais nada na memória eterna da internet daquilo que te escreveram. ok, stalkear um desses fica mais complicado, demanda tempo e rapidez obsessiva no botão de "atualizar página", mas ainda assim não tem seu glamour. ponto para as atitudes anti-stalker.

com essa nova ferramenta do orkut, toda a práxis stakeana está na ponta de uma faca de dois gumes, porque ela é boa tanto para os stalkers como para os stalkeados. afinal de contas, não são eles além de dois lados da mesma moeda, um pouco de cada? no orkut todos são stalkers e stalkeados. who watch the watchmen? agora o orkut vigia. e daí? e daí que quanto mais stalker, mais noiado com stalking você se torna. e o que é então que o orkut te oferece? possibilidade de que você saiba quem tá visitando sua página. sonho maior para quem é paranóico com isso? em contra parte, sendo os maiores stalkers as maiores vítimas do medo de ser stalkeado (algum termo psicológico poderia explicar isso, mas deixa) na mesma medida que eles são sanados em saber quem anda visitando sua página, sicraninha, fulaninho e beltraninha também vão saber que você andou deixando as suas pegadas semi-invisíveis por lá. e agora?

claro que a nóia coletiva já começou a demonstrar os sinais de que essa ferramente teve um tamanho impacto sobre elas. quando antigamente você inocentemente passeava por profiles apenas com um intento voyeur, agora você se sente vigiado. quando você entrava no profile de algum conhecido pra ver apenas as fotos novas do album, você pensa o que será que seu amigo vai pensar se ver seu nome lá. e as artimanhas para se safar disso? desabilitando o profile views. mas e agora se eu quiser saber quem passou lá também? paciência. e dá-lhe deixar scraps avisando "ó, passei por aqui mas só pra ver suas fotos viu?".

o orkut é hilário.


quinta-feira, abril 20, 2006

"O sentimento de humilhação nada mais é que o sentimento de ser objeto. Assim entendido, ele se torna base de uma lucidez combativa na qual a crítica da organização da vida não se separa da realização imediata de um projeto de vida diferente. Sim, não existe construção possível a não ser na base do desespero individual e na base da sua superação: os esforços empreendidos para mascarar esse desespero e passá-los sob outra embalagem bastariam para o provar.

Que ilusão é essa que nos impede de ver a desintegração dos valores, a ruína do mundo, a inautenticidade, a não-totalidade? Será a crença na minha felicidade? Dificilmente! Tal crença não resiste à análise, nem aos sopros da angústia. Descubro antes nela a crença na felicidade dos outros, uma fonte inesgotável de inveja e ciúme que traz por um viés negativo o sentimento de existir. Invejo, portanto existo. Definir-se com base nos outros é apreender-se como outro. E o outro é sempre objeto. De tal modo que a vida é medida pelo grau de humilhação vivida. Quanto mais escolhemos a nossa humilhação, mais "vivemos", mais vivemos a vida certinha das coisas. Essa é a astúcia da reificação, o modo com que ela passa despercebida, como arsênico na compota"


VANEIGEM, Raoul - Traité de savoir-vivre à l'usage des jeunes générations.