quarta-feira, outubro 26, 2016

pritt

parece um visgo. uma segunda pele de cola permanente. os elétrons de sua pele querendo se ligar à cama. forças eletromagnéticas inexistentes mas que atuam no seu corpo inteiro. olha só que mistério. um corpo-imã desenhando de forma invisível aqueles rastros em círculo em volta de seus polos. grudado. parece um visgo.

a cama já criou uma ranhura em seu formato e como uma ficha num fliperama desligado você está lá dentro. um slot. um molde. seu corpo-imã não tem porque lutar contra, aquele é seu espaço. e você não quer lutar contra as forças mais poderosas da natureza. nossa física conta quatro forças que explicam e unem tudo no universo e de todas elas não é nem a gravidade a mais forte dentro da escala do seu quarto, mas até ela acelera seu corpo sempre pra baixo a 9 m/s². pra dentro da cama. pro molde.

parece que tudo está suspenso. e não no sentido de parado, mas no sentido de em suspensão. um atoleiro. areia movediça. os grânulos de areia em suspensão num colóide grosso que te engole como nos filmes, mesmo você sabendo que ninguém morre engolido por areia movediça. o símbolo é o que importa. você afundando pouco a pouco. os braços pra cima sendo seu último sinal pro mundo ei eu tou aqui alguém me tira dessa porcaria de tropo antiquado de filme. o carro atolado na duna que cada força que faz pra sair, cada pisada forte no acelerador, mais e mais se engancha nas malícias da areia fina e inocente.

parece um visgo. não aquele arbustinho fofo, mas aquele visgo que sua vó fala quando passa a mão na sua testa e te enxota pra ir pro banho pra tirar a nhaca. visgo e nhaca, palavras que se afundaram também na areia movediça da história e vão aos poucos morrendo com seus falantes que talvez pouco se esforçaram pra guardar na oralidade essas graças, ou apenas vão aos poucos morrendo porque há de ser assim com tudo um dia. palavras que também se afossam no fundo do poço do que já fomos, e que pode ou não virar combustível fóssil para queimarmos em nossos neologismos ou apropriações de palavras estranhas. nhaca, visgo, visguento.

o tempo é visguento. e como o nome acusa, gruda na pele como cola permanente. o corpo-imã que se arrasta no tempo levando grudado no corpo magnetizado todo atoleiro que você já se meteu. e por mais que alguém diga que ele na real nem existe, vai lá explicar pra quem já nada há muito na viscosidade do tempo que aquilo é só uma percepção limitada por nossa cognitividade. foda-se, meu amigo. o tempo existe e gruda na gente como a mão da vó na nossa testa. essa mão que o próprio tempo há de engolir no buraco da inexistência, mas cujo grude na sua testa pra sempre vai colar em sua memória.

e vai lá querer deixar tudo em palavras lógicas e reproduzíveis e procedimentais e sistemáticas e controladas e experimentais e o que quer que seja. no fim das contas, sobra você, o visgo do tempo, o quarto, a cama, a ranhura. as quatro forças que a física explica unindo seus núcleos,cindindo suas partículas, carregando eletricidade e te fazendo deformar o espaçotempo e afundar na cama a 9 m/s².

mas vai tentar explicar, vai.

segunda-feira, janeiro 04, 2016

reisen

o retorno é sempre um tour de force fracassado. a volta e a força. força e forca forçando sem o vigor físico que já não tenho, para arrancar do vigor mental que finjo ter o esforço excepcional que pfff nunca vou conseguir. voltar lá é sempre falhar miseravelmente sem nem tentar, aí sim é uma proeza.

e as promessas que fiz para mim mesmo, em segredo e modéstia, são lá que são testadas e vejo que por mais que corte o carboidrato da dieta de sapos que engulo, aquele pneuzinho só aumenta e aumenta e pesa cada vez mais na balança das coisas que ainda importam - mas que cada vez menos eu questiono se deveriam importar. as promessas falham e se acumulam como a pilha de livros que já desisti de atulhar há tempos, mas que ainda assoma alta e sem prognóstico positivo ou aquela nesguinha de esperança que o paciente alimenta com um sorriso lívido de que quem sabe um dia eu tico um por um e adeus voltemos às compras voltemos à pilha.

o retorno hoje já é ida, e a vinda sim é o verdadeiro retorno. qual realidade agora que me representa? quem sou hoje se não um fantasma do presente, assombrado pelo beta test do fantasma do passado, evoluindo pra um fantasma v2, v3, v4, v5.1.45-a e que nunca se forma, nunca se fecha e nunca nem sabe ou lembra o que é de verdade. um fantasma feito de miasma diluído no éter de uma nebulosa de sei lá. o retorno a ida a volta o ser o estar tudo confunde e se mistura num caldo ralo de eu, que não engrossa com toda farinha de tanta coisa que há no mundo.um go horse cego numa linguagem que sabe lá quem é que domina.

e talvez seja não o ato que me circunscreva, mas o cochilo. a falha. a negligência. talvez eu seja o que eu estou precisando ser. o que estou faltando ser. o que já foi dado a dica tantas vezes e bem, já tá mais do que na cara. eu talvez seja tudo isso que eu nunca consegui ser. e talvez eu seja também a cobrança das coisas que eu não consigo entregar. e talvez eu seja também a culpa os tropeços torções repuxes e os ais e uis. se não trilho um caminho, pelo menos manco um rastro qualquer. talvez eu precise esquecer mais o que existe e focar no vazio. o caosmo e a maiêutica de um big bang pequeno e silencioso.

pode não ser nada também. pode ser só aquela auto-comiseração safada e pedante de quem hesita demais. pode ser só qualquer sistema de opressão falando por mim. patriarcado. judaico-cristianismo. windows. storytelling. d&d. pode ser só a falta de preocupações reais. pode ser o mal desse século: a pura falta de uma escabiose e o seu prurido, de mãos dadas e nomes bonitos, pra esconder o real sentido de reclamar de barriga cheia.

o retorno é sempre foda, mas não tem como escapar. pode resumir na lápide.