terça-feira, março 30, 2004

tinha baseado todos os seus planos em cima de uma mentira - mas ah! quem disse que eram planos assim, de verdade?- e tirando todo aquele sentimento velho conhecido de quem tem planos, a frustração, estava bem. claro, não tão bem quanto seus pares, se é que eles existiam, e - quam sabe? - se é que estavam felizes.

vivia uma meia vida. quer dizer, vivia uma vida inteira, mas só entendia e aproveitava a metade. e olhem bem, coitado, nem esse pouco era bem vivido. essa parcela perdida de sua vida (quantifiquemos? sessenta e sete vírgula oito por cento) era sentida e repercutia em sua vida de maneira tal que, no final de um dia, ele mal sentia o tempo passar. e passava? ele sabia que era diferente pela roupa das pessoas. "hoje amanda está de amarelo. então hoje não é ontem pois ontem ela estava vestida de vermelho".

mentiu um dia que amanda o amava em segredo por causa daquele bilhete de amor que o mandara - claro, uma outra mentira! - e viveu aquele sentimento de tal forma que só em soletrar a-man-da ele sentia em cada sílaba um frio seco dentro dele. atuou então esse papel (e com certa desenvoltura) que seguiu como o personagem coadjuvante na própria peça de sua vida.

e como já sabemos que a arte é uma maneira inautêntica de representar sentimentos autênticos, imaginemos o que pensou nosso protagonista em sua lógica torta de quem é estúpido: "talvez, por ser um sentimento falso, no final tudo se transforma em real !" ah, pobre diabo...amanda cagava e andava para ele. enfim, quem ele era? afinal, amanda nem era amanda. era sandra, vendedoras de uma loja de sapatos que às vezes pegava o mesmo ônibus com ele.

mas de que importa? queria casar com amanda, ter filhos com amanda. era amanda, afinal, a mulher de sua vida.

- amanda, eu te amo.

levou um tapa na cara e todos riram dele depois. mas então, sentado no banquinho da praça, encontrou raquel...

sábado, março 27, 2004

"uaaaah"

bocejou longamente. as pálpebras pesadas se abrindo e rangendo e deixando entrar uma luz fraca nas pupilas. tudo vermelho. olhos pegando fogo. o relógio marcava sete horas e trinta e dois minutos.

"meu deus, estou atrasado para o serviço!" - pensou, alarmado.

abriu os olhos e revistou os cantos do quarto e então....que susto! uma morena de olhos morenos. alta do alto de seus quarenta e poucos anos. o rosto marcado por rugas e restos de cosméticos mal tirados. um sorriso alvo (e falso, depois decobririamos) e uma alegria esfuziante que agora o fuzilara de repente.

"meu deus! meu deus!" - brandava, braços abertos.

"qu..e...err...uh...hmmm...pf...pf..." - a boca seca não respondia ao comando de seu cérebro que ordenava "diga agora: 'quem é você'". enganchavam-se os sons dentro de sua garganta.

"calma, sou eu papai! a renata!" - acalmava o pai com os braços sobre os seus, que ensaiavam levantar, mas não conseguiam.

"como...re...na...ta..." - sua voz começava a voltar, enquanto a boca obedecia muito pouco aos seus comandos.

"você dormiu por trinta anos, papai. deitou um dia e só acordou hoje, trinta anos depois"

era verdade? ele sentia o corpo quase colado na cama. tinha diminuído de tamanho, será possível? a barba longa talvez denunciasse, as rugas espalhadas pelo corpo, a pele esbranquiçada e fina, veias azuis entrecortando-se sob ela. trinta anos tinham se passado e ele dormia. não era como nos filmes ou lendas urbanas, era com ele! sentiu de repente o hálito amargo de trinta anos passados em seu corpo, e não na sua mente. era como se cem quilos fossem somados ao seu corpo.

"o...quarto?"

"deixamos assim, para caso você acordasse não tomasse um susto...ah papai, tanto tempo que não nos vemos! não nos falamos! eu me lembro da ultima vez...eu só tinha dez anos e você..."

"sua mãe?"

"ah papai...ela morreu há vinte anos atrás. efisema. fumava muito e fumou muito mais quando você foi dormir...inclusive eu e o jonas..."

"e seu irmão?"

"é...o jonas está bem. mora em niterói, tem um filho. eu também tenho um filho papai, casei-me já fazem doze anos, o meu marido, você ia...."

"niterói?"

"é...niterói. ele não aguentava tomar conta de você! só eu que permaneci ao seu lado todo esse tempo...trinta anos cuidado de um quase morto...eu não trabalho, não tenho vida, passo todos os meus dias aqui esperando que..."

"meu deus...trinta anos...vocês gravaram o brasileirão?"

renata chora. trinta anos se passaram desde que ele tinha dormido. e trinta anos foram esperados para ela continuar aquela conversa que tiveram na mesa de jantar, no dia anterior ao acontecido. sempre permanecera ao seu lado, negligenciando o filho, o trabalho, e ela mesma. caiu em prantos, as mãos cobrindo o rosto.

"a...renata...como você...."

iria dizer "como você cresceu" mas caiu novamente em um sono profundo sem ao menos completar a frase que talvez aquietasse o coração aflito de sua filha.

acordaria vinte anos depois, na presença do seu bisneto rafael.

sexta-feira, março 26, 2004

a presente nota de suicído foi encontrada três dias após o ocorrido e a parte interessada rejeitou a idéia de publicá-la. tentou-se, em vão, proibir a veiculação da mesma em meios públicos.
essa foi a primeira e única tentativa de suicídio do estudante B., em 1987.

" sou um fracasso

desculpem me todos, mas sou um fracasso. não pude ser um bom filho. não consegui manter nenhum relacionamento estável. sou um fracasso em minha pífia vida acadêmica. fui derrotado pelas circunstâncias e pela minha própria incapacidade de funcionar socialmente. por muito tempo cogitei e vi que de nada mais adianta continuar. fui amaldiçoado pelo Destino a ser um eterno fracassado. pensar nessa última opção - o suicídio - foi a única maneira de tentar ao menos em algo obter sucesso. e quem sabe, o que há do outro lado? talvez jubilarão comigo todos os malditos fracassados que pensaram o mesmo que eu, de lá das profundas esferas do inferno destinada aos patéticos suicidas.

parto sem mágoa de vocês. mas parto com inveja, porque me agarrei à vida o máximo que pude, mas como todas as coisas que eu tentei agarrar [insert pun here] com vontade, me escapou o fio que em mim teceria algo importante. fracassei em vida, espero sucesso em minha morte

adeus,

B."

pulou do décimo andar de um prédio de escritórios e por uma infeliz coincidência acabou caindo sobre um caminhão com um carregamento de bolinhas de isopor. não morreu, mas com o impacto quebrou 3 vértebras, a bacia, as pernas e um braço e está tetraplégico, e ao passar pela lataria do caixão do caminhão, acabou sendo rasgado e ficou completamente desfigurado.

está sendo processado pelo Estado, onde o suicído é crime federal.

terça-feira, março 23, 2004

existem pessoas e as marcas que deixamos nelas - e elas em nós.

:.pessoas de pedra. que são difíceis de deixar uma marca profunda, mas quando deixamos demora muito para que elas vão embora.
:.pessoas de água. que ninguém consegue deixar marca alguma, mas que podem às vezes passar marcantes nas pessoas.
:.pessoas de fogo. que é bom de se ficar numa distância segura, mas ninguém ousa chegar muito perto, com o risco de sofrer marcas eternas.
:.pessoas de areia. que deixamos marcas facilmente, mas tão fácil quanto, elas vão embora.
:.pessoas de ar. invisíveis (mas quem sabe importantes?).
:.pessoas de brisa. que passam tão rápidas por nós e nos fazem tão bem que sempre queremos uma dessas do lado nos momentos mais chatos.
:.pessoas de concreto. sólidas. inertes. impassíveis e não interativas. a única marca que você talvez consiga é se der de cara contra elas.

ah...existem tantas pessoas mais. e tantar formas de nos deixar marcas...será que vale a pena categorizar?

sabe, foda-se.

eu sei, o texto é muito bobinho. mas eu estou muito bobinho hoje.
e não. não recebi isso por e-mail, eu mesmo que fiz. e não. não gostaria que você tornasse isso mais um spam babaca e imbecil, como o texto já o é.

segunda-feira, março 22, 2004

"ah! já não aguento mais esse fardo que pesa sobre mim" - dizia ao doutor - "e essa vida a arcar minhas costas está me custando muito, doutor...". era examinado com o olhar cínico do doutor, que há pouco havia engolido um comprimido daqueles que os doutores usam para se manter de pé. " é um sem fim de coisas a se adicionar à minha coluna convexa que já não sei mais o que é ter a cabeça sobre os ombros". o doutor impassivo olhava os instrumentos e receituários em cima da mesa. resmungava. levemente irritado. "talvez pudesse sair dessa sozinho, mas com a cabeça tão baixa não consigo ver o horizonte, não consigo sonhar". o doutor fungou, aquiesceu automaticamente e com habilidade enrolou seu braço no aparelho de medir pressão. estava impaciente. "e o pior é não ter ninguém que pudesse me guiar. ou ter ao menos um cachorro, acho... sinto que continuar assim eu irei bater minha cabeça contra todos os postes do mundo. é claro, metaforicamente falando, doutor...". o médico emitiu de um só ar "pressão normal..." como se num suspiro inconformado. impaciente, cada vez mais impaciente. resolveu olhar os reflexos oculares e checar ouvidos. " talvez seja o normal se sentir assim nesse mundo cada vez mais caótico, talvez esse gancho que se tornou minha coluna seja obra da natureza, mas apesar de não confiar muito na medicina, resolvi ver qual era o problema que..." o médico parou de repente e olhou nos olhos do paciente, interrompendo-o. olhos vazios de sentimento qualquer - os comprimidos! - e então, automático como quem respira, abriu o jaleco e tirou de dentro um velho machado enferrujado, desferindo com velocidade e precisão quase cirúrgica um golpe bem no meio do rosto do paciente, abrindo sua cabeça em duas metades rubras. limpou com um pedaço da camisa os óculos banhados em sangue e enxugou o rosto com o mesmo pano seboso. então, tirou o jaleco e saiu voando pela janela.

deixou o corpo para a atendende.

sexta-feira, março 19, 2004

falar é uma maneira terapêutica de encarar momentos difíceis na vida. encarar os problemas de frente muitas vezes podem ajudar também, mas o simples reportar do que está assombrando sua cabecinha já é uma maneira eficiente de sentir melhoras. nem que seja chorar no colo de alguém e despejar todos os demônios e maldições entre soluços enquanto o ouvem calado. isso parece estar ligado ao fato de que a fala é positiva e é um dos atos que causam mais conforto. a fala é um mecanismo enormemente poderoso e podem ativar os mesmos centros cerebrais do hemisferio esquerdo que quando em baixa atividade parece causar problemas como a depressão. nosso cérebro assimétrico além de nos "causar" habilidades possíveis apenas nos primatas superiores nos deu a autoconsciência e a capacidade de construir a fala tão elaboradamente e com processos bilaterais independentes em cada hemisfério. mas essa mesma bilateralidade independente que nos deu essa plasticidade imensa na fala nos causou o desequilíbrio estável onde se esconde talvez um lar para a melancolia e tristeza.

e se nas palavras existe toda essa força, é mais difícil ainda poder se ajudar se nem elas conseguem sair. como num pote tapado com o peso todo dos dias de solidão e desagrado (que pesam muito, sim). as palavras travam, saem secas, mortas, pálidas. saem doentes também, carregando um pouco do que não as deixam sair ao passar pela barreira quase impenetrável do silêncio que se instala em nós na solidão. um silêncio barulhento. um silêncio quase como num sinal estático. que nem é bem uma ausência de som, mas uma ausência de contato com você mesmo. quando o que você tem é a tentativa, mas não o ato. o processo existe, mas para por um segundo e esvaece no ar enquanto o silêncio te rouba o ar como se fosse vácuo.

eu não consigo escrever o que eu quero.

quinta-feira, março 18, 2004

tudo travado aqui. eu sento, quero escrever e tem um muro de tijolos brancos.
um muro na minha frente. esse muro da tela em branco. a barrinha piscando esperando eu vomitar as letras como eu sempre faço. - se você não sabia esse blog é todo vomitado - e eu quero, porque quero, quero muito escrever.

mas travou. system crash. preciso dar um reboot.

sábado, março 13, 2004

(eu nem sei porque eu ainda ponho meus contos aqui. ninguém lê. mas que se dane. esse é meu blog. o texto será/seria uma contribuição futura/inexistente pro "devaneios de eulália", o zine. feito durante aula de psicologia da linguagem, que fino.)

e eu que estava ali sentado, olhava eulália.

reduzindo o escopo de sua atenção àquele livro. de longe era uma paisagem estática. uma menina na grama e seu livro. mas olhando bem – e olhando como eu olhava – tinha a boca mastigando os lábios; tinha o lápis dançando em seus dedos ou tamborilando em sua perna; tinha o olhar varrendo as páginas vagarosa e concentrada – o que será que as páginas diziam?

não é o caso de estar apaixonado, mas era um quase encantamento hipnótico. dela só sabia o nome, e algumas peças de roupa. o tênis azul. a mochila vermelha e surrada. a presilha de borboletas. e nem digo que dela já procurei saber alguma coisa, era a eulália que eu montava na cabeça que eu gostava. quem sabe, talvez a verdadeira não tivesse um cachorro chamado dante. talvez a verdadeira não soubesse falar francês e nem soubesse dizer “eu te amo” em sete diferentes línguas. talvez nem fosse eulália o seu verdadeiro nome e talvez nem fosse ela alguém real, mas apenas uma miragem no gramado naqueles dias quentes.

ao mesmo tempo que a idéia de dizer um “oi” era extasiante, quebrar aquela imagem era um risco que eu não me propunha correr, pois dos cacos das minhas coisas quebradas e esfaceladas eu destituía do poder a dor e guardava meus olhos pra eulália. para a menina que, quem sabe, também compartilhava comigo alguns sonhos e todo o desolar de ser sozinho sentado na grama.

é quase um maço de cigarros que evaporo enquanto devaneio sobre eulália - será que ela fuma? – e enquanto o cigarro corrói o meu corpo eu vejo as formas que saem enevoantes. molduras evanescentes em torno dela. e é triste ser sozinho, mas eu colho felicidade apenas em pensar que talvez eu a note quando ninguém nota. como se ela fosse um tesouro secreto que eu não tenho, mas sei muito bem onde está enterrado. e assim é suportável passar os dias. é suportável esperar e esperar o dia de ir fumar no parque. é suportável aceitar que talvez eu nunca diga aquele “oi”, mas tendo ela em vista, minha progressiva autodestruição é até mesmo aceitável.

as páginas são passadas, eu trago o veneno de minha rotina e o livro que eulália lê vai acabando. visualmente mostrando que o tempo que eu passei apenas observando foi longo. o peso das palavras se deslocando da direita pra esquerda. talvez a última página seja virada aqui em minha frente e eu a veja por um segundo sorrir ou chorar. mas talvez tudo acabe num ponto de ônibus, na fila do banco, durante as aulas, quem sabe onde mais ela leva aquele livro?

mas aspergindo essa fumaça pesada eu sinto que de nada adianta eu me ater a ela. de nada adianta nada. mas ainda assim eu sei, que toda vez que expirar toda a toxicidade desse meu cigarro, eu verei nos véus brancos ascendentes a imagem etérea de eulália...

raphael, 11/03/04

quarta-feira, março 10, 2004

tomar água fervendo. empurrar cabos de vassoura garganta abaixo. enfiar agulhas de cerzir no abdomen. engolir couro e ferro. pular dentro de vulcões. engolir dinamite. engolir carvão quente em brasa. entrangular-se com o próprio cabelo. usar furadeiras elétricas para perfurar o cérebro. colocar o pescoço num torno mecânico. injetar manteiga de amendoin e/ou maionese no sangue. aplicar viúvas-negras na pele. afogar-se em tonéis de vinagre. beber ácido sulfúrico. engolir fogos de artifício.



o que faz pessoas chegarem a esse ponto e se matarem de maneiras tão extremas me deixa desesperado ante o quão profundo pode ser o poço. e o quanto que nossa alma é capaz de aguentar os dedos gélidos da Loucura tocando levemente nossas têmporas. ah! eu sou facilmente impressionavel sim, e principalmente com livros - quase choro na fisio hoje, e não foi por causa da tortura física implicada - eu consigo ir além e pensar em como essas pessoas fizeram isso. porque livros só servem se forem para ir além. e eu imagino a pessoa sentar calmamente. pegar uma vassoura. posicionar calmamente em sua boca. levantar a cabeça e alinhar a vassoura. e depois enfiar com toda a fúria contida para se assassinar. e por deus! dá um nó. mas um dia, quem sabe, eu escrevo o texto que tanto quero escrever sobre suicídio.

muito H. muito mesmo.

terça-feira, março 09, 2004

queria escrever algo bonito e revelador sobre despedidas e o sentimento de perda. e sobre a saudade e sobre a pré-saudade (porque ela existe). queria tudo isso. e talvez também escrever o meu próximo texto. meu próximo conto. matar saudade da eulália. queria tentar fazer desse espaço algo que valesse mais a pena visitar.

ontem três pessoas foram embora daqui. duas que eu gosto muito, mas que infelizmente não pude aproveitar muito o tempo deles por aqui. maira & fabinho, uma quase entidade dualista, que vão ser felizes longe dos medíocres aqui. e uma outra pessoa que eu gosto mais ainda, e que é uma das pessoas importantonas-e-coisa-e-tal da minha vida. um dos meus Amigos mais próximos, apesar de há pouco tempo. o charmoso flogger anderson (/andersonsales), que vai tentar a sorte na cidade grande. queria poder ter estado no aeroporto. pra um abraço a mais. pra me despedir de um amigo que vai fazer falta. sua bicha, volta logo!

queria poder escrever algo legal sobre isso, mas vai só isso mesmo.

segunda-feira, março 08, 2004

terça-feira, março 02, 2004

- oi, tudo bom?
- tudo bem, e você?
- estou ocupado sendo ignorado pelo resto do universo.
- certo. mas não posso falar agora. tenho coisas menos desinteressantes pra fazer.
- oquei, me desculpa. mas nem eu posso conversar também. tenho outra ligação imaginária pra fazer. adeus.
- adeus.