quinta-feira, junho 30, 2005



abriu a caixa e encontrou a carta, ainda manuscrita, talvez uma prova de que havia desistido de mandar, mas de que não havia desistido do que tinha ali.

"andalucia, diciembre 1923


escrevo a carta em linhas poucas, em frases rápidas.
escrevo curto pra você me ler.
sei que minha cicatriz encaixa na sua, mas meu corte não é o mesmo que o teu.
o meu sangra pra fora. o meu sangra pra dentro.
eu não vejo o seu sangue escorrer, eu não vejo o seu sangue.
eu quero sangue, eu quero lágrima, eu quero suor, eu quero.
estico os braços pra te fazer caber dentro de mim.
as cicatrizes que se façam memória, que há ainda muita carne para ser cortada.
muita pele pra ser tingida da cor de nosso sangue.


a carta acaba, mas fica o sentimento.

eterno, e ternamente
p. "


avaliou o conteúdo e nada entendeu. amassou e jogou fora o papel amarelado, quem sabe tinha alguma coisa de valor dentro da caixa que ela pudesse penhorar?

segunda-feira, junho 27, 2005


francis.hamel/telephone.box.in.the.rain



aquela palavra dizia tudo secamente, não queria perder tempo tentando explicar e inventariar tudo aquilo que sentia. faltava a palavra que iria dizer tudo, tudo, tudo. e do outro lado do telefone tocava uma, duas, três vezes. ainda pescava a palavra de dentro de algum fosso desconhecido dentro de si mesmo e alô. alô, sou eu. mal havia pensado e a palavra pulou dele para ela, um telefone no meio. falei, mesmo. do outro lado dava para ouvir o acordeão e o piano bem baixinho, era a música deles. dava para ouvir o som da rua dela. o som da casa dela. fechava os olhos e dava pra ver ela sentada no sofá branco ou deitada no tapete. a sala vermelha era testemunha. fechava os olhos e dava pra ver a foto dos dois. dava pra ver a praia que ela todo dia via da janela. sentia os braços eriçarem da brisa do mar que parecia sair do telefone e tocar de leve as suas orelhas. só não dava para ouvir ela. repetiu mais uma vez, aquele telefone sem fio e o som alto poderiam ter confundido. nada ainda. a respiração tinha mudado, sentira. mas passou um, dois, três segundos, duas horas, um dia, três semanas, um mês, todo o resto de sua vida e ele no telefone não ouvira nada de volta. tá, tchau. nenhuma lágrima, pôs o casaco e saiu na chuva mesmo.
o céu chorava por eles.

sábado, junho 25, 2005

eu fico sentado aqui, ouvindo o que eu sempre ouço e fazendo o que eu sempre faço entre uma espera ou outra. na verdade talvez o que eu faço entre uma espera e outra seja o não-Comum. talvez eu venha pra cá pra esperar. e pra ficar sentado aqui na cadeira, reclinando, ajeitando as pernas, ajeitando a cadeira, mexendo as pernas, mexendo a cadeira, mudando de posição inconstantemente. e fazer o que eu sempre faço enquadra-se numa lista não muita extensa que conta com uma série de item(s): 1) nada.

eu já espero mesmo quando não tem o que esperar. isso é o Comum. e entre uma espera e outra eu vou arranjando coisas para esperar. enquanto fico sentado aqui, ouvindo o que eu sempre ouço. fazendo o que eu sempre faço

(não tem ponto final)

domingo, junho 12, 2005

já tá dando coisas ver esse blog assim abandonado. e não é nem por falta do que dizer, mas por falta de vontade e/ou jeito pra isso. não sei se perdi o jeito de falar, mas acho que falta alguma coisa que me impede de escrever como eu.

tentei aliviar isso criando outro blog, com outra proposta, muito diferente dessa, só pra ver se batia a instiga. mas nada. o blog já é quase natimorto. e não é porque estou mal, muito pelo contrário, estou muito bem como há tempos não estava. mas vai ver é justamente por isso. a felicidade as vezes é uma droga.


ah, mas é muito bom.