sexta-feira, fevereiro 10, 2006

você tem problemas, disse aquela que minutos após se tornaria sua ex-namorada. mas a frase dita em tom não profético, mas na redenção de uma ofensa e desabafo, dizia mais do que esperado. claro que ela não sabia per se, mas ele - claro que não na hora em que tal frase foi proferida - entendeu o que ela não quis dizer, mas disse: ele tinha problemas. mas obviamente, todo mundo tem problemas, e ele era mais um. mas o problema em si, ele sentia como um problema só dele. também obviamente ele estava errado, apesar de ser um problema que ele pensava ser bastante incomum, a infinidade de pessoas que povoam o mundo e a infinitude maior de problemas que povoam essas pessoas tornava esse problema apenas mais um de toda a miríade de problemas possíveis. mas ele não conhecia o mundo, e o muitíssimo pouco que ele conhecia do mundo era ainda menos do que lhe era possível conhecer em toda a sua potencialidade, mas não vamos diminuir logo agora aquilo a que o nosso personagem principal lhe cabia.

existia - e apenas o narrador no momento sabe que irá existir até o fim da existência de nosso personagem - um distanciamento entre ele e qualquer coisa que não fosse ele. inclusive a parte dele que ele desconhecia ou teimava em pensar que desconhecia. não uma espécie de autismo seletivo, mas funcionava como. claro que não estava ele preso dentro de uma realidade só dele, apesar de que o mundo no fim das contas é uma realidade só nossa - no caso a dele, só dele. aparentemente o mundo dele era o mesmo da garota do começo do texto. dividiam alguns gostos e desgostos (ficando na esfera pessoal) e experienciavam as mesmas cores, os mesmos sabores e cheiros, viam as mesmas pessoas e os mesmos lugares - não da mesma forma, mas na essência eram os mesmos. mas enfim, existia um distanciamento dele. que isso ele achava ser só dele. ele sabia de cor todas as manchas de sua pupila, todas as sardas, todos os sinais, cada fio de cabelo em seu comprimento, cor e fluidez, sabia os discos favoritos, as bandas favoritas, os filmes, os livros. ele a conhecia muito, diria qualquer um - inclusive ela. mas ele não chegava perto o suficiente daquele ponto que poderia ser esquematizado dentro do corpo dela, mas certamente não estamos falando de seu útero, pulmão ou rim. mas de algo metafísico, se é que algo metafísico existisse.

bem, o que acontecia era que o máximo que ele podia fazer era decorar. era memorizar as nuances da vida, e tentar sempre, e ao máximo, lembrar o que podia das coisas que podiam fazer com que ele sentisse em sintonia com alguém. a sintonia nunca existira - e o narrador adianta que nunca existirá em sua vida - e portanto aquilo que só ele poderia saber se valia de aguda percepção e memória. mas visto que o nosso personagem não possuia tão aguda percepção e muito menos memória pródiga, o muito que só ele poderia saber era tão pouco, mas tão pouco, que o problemas referidos na primeira frase do texto na verdade era um problemão. ele era incapaz de sentir as pessoas profundamente. incapaz de alcançar algo perscrutável por algo mais que o olhar e o ouvir. e incapaz de fazer aquelas ligações que alguns fazem - muitas vezes errôneas aparentemente mas que parecem encaixar-se na situação - quando dizem que conhecem à fundo alguém. e claro, claro, claro que isso era frustrante. claro, claro, claro que isso era muito para ele aguentar. e mais ainda, para ela aguentar. era só de um esforço sobre-humano - tendo como parâmetro de humano ele mesmo - de memória que ele ia chegando perto do mundo, nunca desvendando, mas ouvindo e vendo o que dava para ser visto e ouvido.

e minutos depois de dizer você tem problemas e tornar-se ex-namorada, à cada minuto que passava, ele esquecia um pouco mais.

tempo, tempo, tempo, tempo.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

love is suicide

escrever sobre amor é a coisa mais inútil que existe. e além de inútil, é idiota. porque primeiro antes de tudo, tentar expressar em palavras um sentimento de caráter tão abstrato impede qualquer definição possível que não recaia num reducionismo e simplicidade desrespeitosos. segundo porque quem escreve sobre amor ou é um frustrado ou um cínico, quem ama, AMA. não pára pra escrever sobre isso. terceiro, o fru-fru linguístico, o fricote semântico e principalmente o armengue estilístico acabam por transformar QUALQUER escrita sobre amor num compêndio, almanaque, coletânea e top-top de clichês, breguices, pieguismos ou PIOR ainda, transforma-se num texto de martha medeiros. por último, que DIABO é o amor mesmo? uma convenção cultural pra alguma parada biológica inexplicável e individualmente - ou melhor - ONTOGENÉTICAMENTE variante que vira e mexe transforma QUALQUER coisa em Coisa quando você menos precisa e - mais importante - quando você menos QUER. por isso escrever sobre o amor se torna inútil, e tudo que já se escreveu sobre o amor se torna fútil. por mais vinícius de morais que você seja, é todo um universo simbólico que o vernáculo camãozístico não tem as manhas de CAPTAR.

talvez seja por isso que vem do anglo-saxão uma das paradas mais MAIS com o amor: love is suicide (CORGAN, W. P. - Bodies. in: Mellon Collie and The Infinite Sadness. Virgin Records - Chicago:1995). pelo menos simbólicamente, e às vezes LITERALMENTE: amor é suicídio. suicídio simbólico do eu em favor do Outro, até muitas vezes uma entrega asceta àquele. o amor pode ser um estado alterado de consciência. ampliado? bem, falar muito acabaria entregando esse texto aos próprios leões que ele soltou. então chega de falar de amor. amo apenas.