terça-feira, dezembro 26, 2006

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eu tinha uma linguagem pra falar com o mundo e me esqueci. e minha lingua falava de coisas que só existiam pra mim, criava outro mundo onde o que eu falava era e assim o era porque eu dizia assim. eu não tinha medo do improvável porque na minha lingua não tinha o tempo futuro. tinha outro nome pra outro tempo que não era sonhar, pois sonho não era uma palavra, mas também não fugia muito disso. fugir não existia porque onde quer que fôssemos, na minha lingua, estávamos em um lugar que eu poderia traduzir como casa, mas que hoje eu já esqueci o que é. também esqueci como chamar os sons, os gostos e as cores do mundo. seus olhos tinham a cor que eles tem, mas numa palavra que era só minha. uma cor só minha. não era verde, vert, green, groen, grün. era a cor que eu esqueci. e lembrar eu não precisava, porque eu podia criar e fazer da memória o lugar onde eu brincava o agora. ah, se o tempo fosse importante... eu tinha uma lingua pra falar do mundo e esqueci o que o mundo era antes de poder saber se eu sou também assim. e agora o que eu espero é até quando eu vou esquecer o mundo que eu deixei pra trás.

e o que deixarei.

sexta-feira, setembro 29, 2006




quando eu escrevia ficção era pra encontrar a realidade. e agora o que importa quando está tudo misturado?

domingo, setembro 24, 2006






"Andar acalma. O caminhar contém uma força curadora. A colocação regular de pé diante de pé, junto com o concomitante e rítmico remar dos braços, o aumento da freqüência respiratória, a leve estimulação do pulso, as atividades dos olhos e ouvidos, necessárias à determinação da direção e para a manutenção do equilíbrio, a sensação na pele causada pela passagem do vento - tudo isso são acontecimentos que congregam o corpo e espírito de uma maneira indefensável e fazen a alma crescer e alargar-se, mesmo quando ela ainda está tão atrofiada e ferida." (SÜSKIND, Patrick. A Pomba. Ed. Record. Rio de Janeiro, 1987)

@ musée d'orsay - paris

sexta-feira, setembro 01, 2006

quando pode piorar, sempre piora. até quando parece que não pode piorar, piora. aí eu vou de sequência: rompimento de ligamentos do pé, emenda com uma tonsilite, junta logo com uma conjuntivite e agora bora se derreter em bosta com uma infecção intestinal que me rendeu amanhecer no hospital tomando sorinho e injeçãozinha. agora vai vir o que?

quinta-feira, agosto 24, 2006

na verdade tudo o que a gente precisa é apenas cagar, mijar, arrotar e peidar e das coisas que nos fazem cagar, mijar, arrotar e peidar. o resto do universo é só o que nossa mente brinca.

esse é o meu dharma para vocês, e eu sou o maldito bodhisattva da desrazão desmedida lendo kerouac.

terça-feira, agosto 08, 2006

another day's gone by, and i've still got all my pieces in place
i have to say that i'm amazed,
i've been fooling traffic and alcohol, cigarettes and medicine
and so on
i've done it all, and i'm still going strong
but, there's no doubt about it, this city holds a lot of thrills

OTTESEN, janove. "this city kills". in: francis lonely nights.
black porch music - noruega, 2006.


(not being jack hawksmoor)

a cidade é como um deus faminto levando como sacrifício tudo o que pode de mim. levando meu ritmo, levando minha pele, levando o meu som e o que sobrou de minha vida. a cidade oferece todos os seus milagres que eu não sei se quero, mas a cidade faz com que eu aceite. tem dias que a cidade é apenas um túmulo gigantesco que abarca todo o mundo que se vê, um cemitério de coisas que ainda estão quase vivas. as pessoas andando por entre enormes sepulturas de cimento, vidro, asfalto, ferro e plástico. toda cor é fora de contexto e supérflua. todo barulho é alto e irritante. toda vida tem que lutar pra sobreviver entre as rachaduras do chão, entre carros e ônibus, andando no sol de um lado pro outro, sem sentido algum. a cidade é como um deus faminto que requer o seu ritual, e o ritual da cidade está no gesto vazio. no olhar cego. na surdez das vozes que realmente falam. no mutismo para com os ouvidos que precisam ouvir alguma coisa. a cidade é nulificação do que nunca existiu na cidade, essa é a afirmação quase cruel da obviedade. existe tudo na cidade. tudo o que ela quer que você queira. tudo que ela quer que você precise. tudo que ela quer que você não consiga viver sem. a cidade é o deus-monstro, devorando yhwh, allah, buda, muhammad, iesu, brahman, moses e ego. devorando e regurgitando. devorando e transformando em lixo. em papel picado. em esmola. em piedade da cidade, aquela que deixa morrer de frio depois de um pão no sinal. a cidade corrompe e deslumbra. a cidade é o progresso de alguma coisa que transforma degeneração em desenvolvimento. a cidade diz pra onde eu devo ir. como eu devo ir. que horas eu paro. que horas eu sigo.


a cidade tem eu e você separados por tantos e tantos sinais.



(na verdade eu queria escrever sobre uma árvore)

quarta-feira, julho 26, 2006

aula básica de estatística social aplicada:

quanto menos pessoas importam, maior a probabilidade de todo mundo te deixar na mão.

segunda-feira, julho 24, 2006

"existe uma palavra na lingua portuguesa que..."

fissura. muita ânsia de ter algo em sua presença e ao mesmo tempo rachadura. quebra. falha. fratura. se uma palavra define aquilo que eu não sei o que é agora, é fissura.

quarta-feira, julho 19, 2006

se eu choro é porque te perdi, e porque cada vez que choro eu te perco mais um pouco. choro porque já estou chorando, e porque eu já chorei muito. choro também porque lembro, mas isso é bom. mesmo que enquanto eu lembre, eu chore, melhor do que esquecer. pras coisas que eu esqueço, eu choro mais um pouco porque eu as perdi e cada vez que eu choro, eu as perco mais um pouco. é porque eu sou vazio de tanta coisa que me enche. é pelas faltas que ocupam mais do que as presenças. é pelos momentos ruins que eu apaguei para que os bons sobrevivessem. se eu choro é porque eu te perdi, mas eu já teria te perdido antes e choraria mesmo assim, assim como eu te perderia depois e choraria novamente, porque eu já chorei antes. e é tanto choro mas não cobre um oceano, um lago, uma poça, um copo d'água, uma mão. é choro que entra por trás dos olhos e fica guardado em algum lugar lá dentro, esperando pra voltar. é choro que fica nas costas da mão, no antebraço, esperando para que a sensação de lágrima se esqueça em algum canto. é choro que fica no seu ombro, te afastando de mim e te mostrando o que eu sou. e se eu choro agora, é porque eu já chorei minha vida inteira.



e se você ler isso aqui, talvez já nem importe. eu já te perdi.

sexta-feira, julho 14, 2006

pedacinho de sol

eu tenho um lugar preferido e ele fica em você. e meu lugar não só é espaço, é tempo. é quando seu pescoço dói e minhas costelas apertam. é quando mais faz sentido, e silêncio. é cheiro de você, seja qual for, mas é onde desce seu pescoço e seus ombros encostam o meu. é quando eu ouço você por dentro, é quando meu corpo se molha de seus olhos, é quando falta o ar, é quando sobra.

eu tenho um lugar preferido e ele fica em você, mas esse é mais difícil de chegar. esqueça o que dizem sobre os baús serem selados, lembra que dentro as vezes tem um tesouro. e só quem conhece, sabe. e só quando seu pescoço dói, minhas costelas apertam, tudo faz mais sentido, tudo faz mais silêncio, tudo tem cheiro de você, tudo fala dentro de você, tudo molha com seus olhos os meus ombros, quando falta o ar, quando sobra, só nessa hora, eu fico sabendo qual o meu lugar preferido. eu tenho meus braços marcados pra contar. e pra outras coisas.

se você sabe, eu não precisaria dizer. mas você sabe: eu sempre digo.

sábado, julho 01, 2006

little secret tremors

apertou as bochechas quentes com as mãos geladas como que fosse calar a voz que já não saia da boca. olhou os dedos e estava mesmo tremendo, não que não sentisse isso, mas checava com o olhar para se certificar que sim estou tremendo. não era frio, não era nervosismo, era talvez o excesso de coisas no seu corpo. ou talvez fosse o frio, as mãos estão geladas. ou o nervosismo, o quão paranóico se consegue ser quando se é paranóico? era também o excesso de coisas consumidas. a nicotina. o álcool. a confusão. estava na hora de se fazer uma pergunta, mas a pergunta não vinha. não que não viesse também a dúvida, essa já estava lá desde sempre. mas A pergunta não vinha. e não viria nem para ele, nem para o Outro. não que a resposta estivesse nele ou no Outro, mas se existem perguntas existem respostas em algum lugar. o algum lugar o preocupava, nele ou n'Outro, o algum lugar sempre o preocupava. mas o que não o preocupava? o preço dos cigarros talvez. estava muito caro, mas sempre se arrumava dinheiro. não era o preço dos cigarros, os cigarros nunca faltam quando realmente se procura. não era o Outro olhando-o a noite toda. o Outro sempre o olhava, mesmo quando olhava apenas para não o ver e sim para manter um contato. o olhar é monossilábico mas pluri-interpretativo. o olhar não diz nada quando não se quer que ele diga algo. Algo. ou qualquer coisa. as mãos geladas tremiam e era o cigarro, apostava. mas como num teste acendia outro. outro. outro. outro. a mão continuava tremendo, a ciência dizia. era o cigarro. apertava as bochechas quentes com as mãos frias. o tremor parava. era o cigarro, pensava. mas não parava. apenas o conforto das bochechas quentes dava o apoio suficiente para que a mão parasse de tremer. como se o tremer não fosse o cigarro, e era o cigarro. como se o tremer fosse a hesitação de cada dedo da mão se equilibrando para manter-se ali. em algum lugar. longe do Outro. ou perto de si e das bochechas quentes. como se cada dedo fosse cair em algum lugar. no chão. no bolso. no pescoço do Outro. como se cada dedo se equilibrasse numa corda bamba na mão. era o cigarro. só podia ser o cigarro. o Outro ainda estava lá. mas ainda era o cigarro.

apagou o último cigarro numa poça d'água. saiu sem deixar vestígios em ninguém.

quarta-feira, maio 31, 2006

~~

nunca vai ser escrito algum paralelo sobre a vida que faça juz a loucura que ela é. pelo menos não sou eu que vou escrever algum. mas existe todo um sentimento de que ela vem em ondas, em fases, em momentos intercalados, que podem até parecer com outros momentos anteriores em intensidade e idiossincrasias, mas nunca - mesmo na intensidade e nas idiossincrasias - nunca eles são iguais. e eu acabo de falar mais uma obviedade na internet, bravo.

mas eu tenho que enxergar as obviedades e as clarezas. as sutilezas não fazem efeito, os mosquitos pousam tranqüilos no dorso do elefante. pensar muito nunca levou ninguém à lugar algum (reza uma teoria que talvez o não-pensar transcenda a existencia de seu corpo físico, mas não vou provar disso por enquanto). é sempre hora de pensar na vida, mas as vezes você pensa, pensa e pensa e não sai da mesma conclusão, que as vezes é bem mais complicada do que o que realmente deve ser feito. ponto para a obviedade, que muitas vezes em si mesma carrega a marca do obscuro.

e eu não vou me explicar, mas oh, it should be me...


sábado, maio 13, 2006

quinta-feira, maio 11, 2006

NADA DE TROCAR

a vaca é SÓ MINHA!




(movimento pró-paintbrush, anti-trocavaquiano-publicitário-de-coreldraw)

sábado, abril 22, 2006

máquina de nóia

então o orkut instala uma nova opção que possibilita você ver quem andou visitando o seu profile e causa o maior rebuliço na internet sendo até motivo de conversas agitadas em festas. claro que essa opção também possibilita que você esconda o seu profile quando for visitar os alheios, mas dessa maneira você também não sabe quem andou visitando o seu profile e lá vai então mais agitação.

que a internet foi lançada com o único intento de se elaborar maiores e mais complexas formas de stalking não é nenhuma novidade, mas até o advento do orkut nada foi tão mais explorado como ferramenta e meio de perseguição, xeretismo e fofocagem do que o site de relacionamentos. toda uma práxis do stalking foi recriada devido às possibilidades que o relationship networking possibilitou, de navegação em rede indo de perfil em perfil, até mesmo pelo fato de que muita gente não sabe usar o orkut.

o que é um scrapbook? um livro de recados PÚBLICO, até aí nada de novo. mas tem gente que esquece? uma mensagem pessoal e de foro íntimo, que pode ser transformada numa "conversa" de recados e que TODOS os milhões de usuários podem ver, traçar um caminho, seguir link à link por origens e ramificações? deleite para um stalker?

antigamente tudo era mais difícil, você ou era um cracker e descobria senhas de email, perseguia com nicks falsos no mirc, entrava no blog e só comentava anonimamente. hoje o tempo para se dispender fazendo isso não compensa, as habilidades com ferramentas da internet não são compatíveis e as tentativas muitas vezes são infrutíferas. hoje em dia, com um mero clique no mouse tá lá você vendo o que fulaninha disse pra sicraninho na quinta feira, na sexta, no sábado. outro clique você descobre que beltraninha - aquela santinha da escola - tá numa comunidade de scat e que além de tudo é lésbica.

antes era um esforço ser um stalker, no máximo você chegava a lurker, e olha lá. depois do orkut, até quem não tinha interesse algum pela vida alheia começou a dar suas espiadinhas no scrapbook de alguém pra descobrir coisas. com o tempo, todo mundo virou stalker. eu sou stalker e você também é, meu querido. claro que todo o glamour de ser um stalker foi perdido, afinal, qual graça tem stalkear alguém que te deixa tudo de bandeija? de graça? mas aí apareceram os mais espertos e uma nova moda surgiu: apagar os próprios scraps. funciona assim, os scraps que você recebe, você mesmo lê, responde e apaga. não fica mais nada na memória eterna da internet daquilo que te escreveram. ok, stalkear um desses fica mais complicado, demanda tempo e rapidez obsessiva no botão de "atualizar página", mas ainda assim não tem seu glamour. ponto para as atitudes anti-stalker.

com essa nova ferramenta do orkut, toda a práxis stakeana está na ponta de uma faca de dois gumes, porque ela é boa tanto para os stalkers como para os stalkeados. afinal de contas, não são eles além de dois lados da mesma moeda, um pouco de cada? no orkut todos são stalkers e stalkeados. who watch the watchmen? agora o orkut vigia. e daí? e daí que quanto mais stalker, mais noiado com stalking você se torna. e o que é então que o orkut te oferece? possibilidade de que você saiba quem tá visitando sua página. sonho maior para quem é paranóico com isso? em contra parte, sendo os maiores stalkers as maiores vítimas do medo de ser stalkeado (algum termo psicológico poderia explicar isso, mas deixa) na mesma medida que eles são sanados em saber quem anda visitando sua página, sicraninha, fulaninho e beltraninha também vão saber que você andou deixando as suas pegadas semi-invisíveis por lá. e agora?

claro que a nóia coletiva já começou a demonstrar os sinais de que essa ferramente teve um tamanho impacto sobre elas. quando antigamente você inocentemente passeava por profiles apenas com um intento voyeur, agora você se sente vigiado. quando você entrava no profile de algum conhecido pra ver apenas as fotos novas do album, você pensa o que será que seu amigo vai pensar se ver seu nome lá. e as artimanhas para se safar disso? desabilitando o profile views. mas e agora se eu quiser saber quem passou lá também? paciência. e dá-lhe deixar scraps avisando "ó, passei por aqui mas só pra ver suas fotos viu?".

o orkut é hilário.


quinta-feira, abril 20, 2006

"O sentimento de humilhação nada mais é que o sentimento de ser objeto. Assim entendido, ele se torna base de uma lucidez combativa na qual a crítica da organização da vida não se separa da realização imediata de um projeto de vida diferente. Sim, não existe construção possível a não ser na base do desespero individual e na base da sua superação: os esforços empreendidos para mascarar esse desespero e passá-los sob outra embalagem bastariam para o provar.

Que ilusão é essa que nos impede de ver a desintegração dos valores, a ruína do mundo, a inautenticidade, a não-totalidade? Será a crença na minha felicidade? Dificilmente! Tal crença não resiste à análise, nem aos sopros da angústia. Descubro antes nela a crença na felicidade dos outros, uma fonte inesgotável de inveja e ciúme que traz por um viés negativo o sentimento de existir. Invejo, portanto existo. Definir-se com base nos outros é apreender-se como outro. E o outro é sempre objeto. De tal modo que a vida é medida pelo grau de humilhação vivida. Quanto mais escolhemos a nossa humilhação, mais "vivemos", mais vivemos a vida certinha das coisas. Essa é a astúcia da reificação, o modo com que ela passa despercebida, como arsênico na compota"


VANEIGEM, Raoul - Traité de savoir-vivre à l'usage des jeunes générations.

quarta-feira, março 22, 2006

alechat não tem culpa se vc perde a hora de faz trabalho e tb vcs viciado aqui internet

valeu lila ok

segunda-feira, março 20, 2006

Ö_o



ÖLÖKO MËO!!!11!!!!!!1!! MINA MAIS LÖKI BOTA PILCE NA BUSETA!!!1!! Q Q 6 ACHÄO!??!?/1/?!?/?//?!

valeu pas ok




(escrito pro 20º concurso da Comunidade Blogueiros Malditos e Outros q q 6 achäo?)

quinta-feira, março 09, 2006

não deveria existir um limite pra essas coisas, não deveria faltar coragem quando a disposição é muita, não é certo que mesmo com tudo pra dar certo, dê errado. mesmo quando dá certo, mesmo quando dá errado. não é justo que a vontade se sobreponha ao ímpeto, não é justo que o esforço se sobreponha ao ânimo. mesmo quando a vontade é muita, mesmo quando o esforço é tamanho. tanta adversidade com tão pouca adversidade, porque as coisas não são do tamanho delas, mas do tamanho que a gente dá pra elas. e não adianta ser um muro de pedra, ou um bloco de gelo. imutáveis? há um ditado que diz que "o amor sobrevive à tudo menos ao tempo", mas não só o amor. nada sobrevive ao tempo. o muro de pedra cai com o tempo do vento, o bloco de gelo some com o tempo da água. qual será o tempo então, o do vento? o da água? todos tem seu tempo,e só o cristalizado e o duro cai ou some. o vento é vento desde sempre, a água é água. a pedra é pedra hoje, pó amanhã.

mudar é inevitável.

sexta-feira, março 03, 2006




"
uma das principais funções de um amigo é suportar (sob forma atenuada e simbólica) os castigos que nós gostaríamos, mas não temos possibilidade, de infligir aos nossos inimigos."
- aldous huxley, in: admirável mundo novo

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

você tem problemas, disse aquela que minutos após se tornaria sua ex-namorada. mas a frase dita em tom não profético, mas na redenção de uma ofensa e desabafo, dizia mais do que esperado. claro que ela não sabia per se, mas ele - claro que não na hora em que tal frase foi proferida - entendeu o que ela não quis dizer, mas disse: ele tinha problemas. mas obviamente, todo mundo tem problemas, e ele era mais um. mas o problema em si, ele sentia como um problema só dele. também obviamente ele estava errado, apesar de ser um problema que ele pensava ser bastante incomum, a infinidade de pessoas que povoam o mundo e a infinitude maior de problemas que povoam essas pessoas tornava esse problema apenas mais um de toda a miríade de problemas possíveis. mas ele não conhecia o mundo, e o muitíssimo pouco que ele conhecia do mundo era ainda menos do que lhe era possível conhecer em toda a sua potencialidade, mas não vamos diminuir logo agora aquilo a que o nosso personagem principal lhe cabia.

existia - e apenas o narrador no momento sabe que irá existir até o fim da existência de nosso personagem - um distanciamento entre ele e qualquer coisa que não fosse ele. inclusive a parte dele que ele desconhecia ou teimava em pensar que desconhecia. não uma espécie de autismo seletivo, mas funcionava como. claro que não estava ele preso dentro de uma realidade só dele, apesar de que o mundo no fim das contas é uma realidade só nossa - no caso a dele, só dele. aparentemente o mundo dele era o mesmo da garota do começo do texto. dividiam alguns gostos e desgostos (ficando na esfera pessoal) e experienciavam as mesmas cores, os mesmos sabores e cheiros, viam as mesmas pessoas e os mesmos lugares - não da mesma forma, mas na essência eram os mesmos. mas enfim, existia um distanciamento dele. que isso ele achava ser só dele. ele sabia de cor todas as manchas de sua pupila, todas as sardas, todos os sinais, cada fio de cabelo em seu comprimento, cor e fluidez, sabia os discos favoritos, as bandas favoritas, os filmes, os livros. ele a conhecia muito, diria qualquer um - inclusive ela. mas ele não chegava perto o suficiente daquele ponto que poderia ser esquematizado dentro do corpo dela, mas certamente não estamos falando de seu útero, pulmão ou rim. mas de algo metafísico, se é que algo metafísico existisse.

bem, o que acontecia era que o máximo que ele podia fazer era decorar. era memorizar as nuances da vida, e tentar sempre, e ao máximo, lembrar o que podia das coisas que podiam fazer com que ele sentisse em sintonia com alguém. a sintonia nunca existira - e o narrador adianta que nunca existirá em sua vida - e portanto aquilo que só ele poderia saber se valia de aguda percepção e memória. mas visto que o nosso personagem não possuia tão aguda percepção e muito menos memória pródiga, o muito que só ele poderia saber era tão pouco, mas tão pouco, que o problemas referidos na primeira frase do texto na verdade era um problemão. ele era incapaz de sentir as pessoas profundamente. incapaz de alcançar algo perscrutável por algo mais que o olhar e o ouvir. e incapaz de fazer aquelas ligações que alguns fazem - muitas vezes errôneas aparentemente mas que parecem encaixar-se na situação - quando dizem que conhecem à fundo alguém. e claro, claro, claro que isso era frustrante. claro, claro, claro que isso era muito para ele aguentar. e mais ainda, para ela aguentar. era só de um esforço sobre-humano - tendo como parâmetro de humano ele mesmo - de memória que ele ia chegando perto do mundo, nunca desvendando, mas ouvindo e vendo o que dava para ser visto e ouvido.

e minutos depois de dizer você tem problemas e tornar-se ex-namorada, à cada minuto que passava, ele esquecia um pouco mais.

tempo, tempo, tempo, tempo.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

love is suicide

escrever sobre amor é a coisa mais inútil que existe. e além de inútil, é idiota. porque primeiro antes de tudo, tentar expressar em palavras um sentimento de caráter tão abstrato impede qualquer definição possível que não recaia num reducionismo e simplicidade desrespeitosos. segundo porque quem escreve sobre amor ou é um frustrado ou um cínico, quem ama, AMA. não pára pra escrever sobre isso. terceiro, o fru-fru linguístico, o fricote semântico e principalmente o armengue estilístico acabam por transformar QUALQUER escrita sobre amor num compêndio, almanaque, coletânea e top-top de clichês, breguices, pieguismos ou PIOR ainda, transforma-se num texto de martha medeiros. por último, que DIABO é o amor mesmo? uma convenção cultural pra alguma parada biológica inexplicável e individualmente - ou melhor - ONTOGENÉTICAMENTE variante que vira e mexe transforma QUALQUER coisa em Coisa quando você menos precisa e - mais importante - quando você menos QUER. por isso escrever sobre o amor se torna inútil, e tudo que já se escreveu sobre o amor se torna fútil. por mais vinícius de morais que você seja, é todo um universo simbólico que o vernáculo camãozístico não tem as manhas de CAPTAR.

talvez seja por isso que vem do anglo-saxão uma das paradas mais MAIS com o amor: love is suicide (CORGAN, W. P. - Bodies. in: Mellon Collie and The Infinite Sadness. Virgin Records - Chicago:1995). pelo menos simbólicamente, e às vezes LITERALMENTE: amor é suicídio. suicídio simbólico do eu em favor do Outro, até muitas vezes uma entrega asceta àquele. o amor pode ser um estado alterado de consciência. ampliado? bem, falar muito acabaria entregando esse texto aos próprios leões que ele soltou. então chega de falar de amor. amo apenas.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

enquanto 2006 ainda tem cara de 2005 dá pra se fazer uma retrospectiva.

2005 foi disparado o ano que mais li em minha vida, compras muito boas de livros, tempo livre de sobra, universidade bem produtiva em termos de textos e uma greve que já já vai me render uns bons 20 livros na cachola. lá vão OS MELHORES LIVROS DE 2005, NA ABALIZADA VISÃO DE RAPHAEL NASCIMENTO:

1. GLASSNER, barry. cultura do medo - me fez parar de assistir tv.
2. KRISIS, grupo. manifesto anti-trabalho - me fez não querer trabalhar nunca.
3. BLISSETT, luther. guerrilha psiquica - me fez não querer mais ser eu.
4. BEY, hakim. taz - zona autonoma temporária - me fez desistir de ser brasileiro e não desistir nunca.
5. BORDIEU, pierre. contrafogos - me fez não querer pagar pelas coisas (mas as vezes continuar pegando).
6. ADAMS, douglas. guia do mochileiro das galáxias
(____________). o restaurante no fim do universo
(____________). a vida, o universo e tudo mais
(____________). até mais, e obrigado pelos peixes - livro para entreter não precisa ser burro

mas no final é tudo panfletagem.


e como não só de livro vive o homem, com a descoberta dos hq-scans, com a inauguração da Poyesis e com as supramencionadas greve e tempo livre de sobra, 2005 foi o ano dos quadrinhos também. li muito mais do que quando colecionava, e por "muito mais" entenda "extremamente mais e mais e mais". então, seguindo o ritmo sessão leitura: AS MELHORES HISTÓRIAS EM QUADRINHO LIDAS NO ANO DE 2005, NA HUMILDE OPINIÃO DE RAPHAEL NASCIMENTO:

1. MORRISON, grant. the invisibles - mudou minha vida ponto. sem exagero.
2. MOORE, alan & GAIMAN, neil. miracleman - a melhor parabola sobre heroísmo, humanidade e a relação com a divindade que descamba pra melhor descrição de utopia e melhor análise do herói. um clássico eterno, um vício, uma paixão e leitura obrigatoriíssima.
3. ENNIS, garth. preacher - vício, vício, vício. oscar de melhores diálogos. uma das melhores sacadas do ennis com relação à deus (apesar de não tão original. vide true faith do mesmo).
4. MOORE, alan. v for vendetta - junte com 3 ovos, uma xícara de farinha de trigo e várias partes de bey, blissett, provos, krisis e bordieu e faça um anarquista amador caseiro.
5. VAUGHAN, brian k.. y - the last man - idéia originalíssima, referencias e conspirações bem amarradas, humor e muitas sacadas.
6. GAIMAN, neil. sandman - um clássico. leituras obrigatórias pra qualquer um que diz que gosta de quadrinhos.
7. BUSIEK, kurt. marvels - só precisava ter o alex ross ilustrando pra já se tornar uma obra-prima, mas além de tudo a história é uma das melhores histórias (se não A melhor) da marvel que eu já li em minha vida. um homem real vê os heróis como se eles existissem realmente, o que o autor retoma no próximo quadrinho.
8. BUSIEK, kurt. astrocity - vai um pouco além de marvels na história que humaniza os heróis e mostra o impacto dos mesmos na vida cotidiana de uma cidade, astrocity.
9. STRACZINSKY, j. michael. supreme power - o cara já tinha me visgado na muito boa rising stars, mas devido ao desenho muito ruim da mesma, eu tenho que dar o lugar no ranking à poder supremo. atualmente, um dos melhores quadrinhos em série para o público adulto que saiu em 2005.
10. BENDIS, brian michael. house of m - a marvel ainda consegue me surpreender muito, quase dá vontade de voltar à colecionar. (dica: ler também powers do mesmo autor).


em 2006 watchman não escapará. (e o blogger continua cagando nos multiplos tamanhos de fonte).