sexta-feira, dezembro 04, 2009

about a boy

lembro de sentar no chão de tacos da sala e pensar em cada mundo subterrâneo que deveria existir debaixo de cada retangulo de madeira. e de quando eu levantava algum mais solto, imaginava a luz entrando de repente dentro daquele mundo sombrio e esquecido sob os tacos. pensava muito no subterrâneo, mesmo sem ainda sequer conhecer a palavra. e para os garotos - ou apenas para mim, não sei dizer - pensar sobre mundos sobre os quais ainda não temos palavras é parte de ser garoto. lembro de sentar e pensar o mundo. criar imagens onde o erro do pedreiro fez o rejunte parecer pintura nos azulejos. tenho no banheiro um índio. um padre rezando. um astronauta. um homem-foguete. lembro de fazer caretas pro espelho e pensar em como seria me ver de fora de mim. lembro de querer ser grande. bem maior. e não conseguia saber o que era ser adulto - o que foi sorte - mas queria saber o que era ser tão certo do tamanho dos braços e da força da voz. lembro de ser criança assustada e tensa. não tinha o tamanho do meu corpo, mas o tamanho da minha voz fininha e acanhada. lembro do brinquedo de montar, com o qual fazia mundos. ou casas e mais casas. e brincava de ser alguém maior do que eu era. e só. sozinho também brincava de boneco e fazia lutas em camera lenta. explosões eu fazia com a boca, assim como todo e qualquer efeito sonoro. existiam sempre mais conversas do que tiros e explosões e com um boneco na mão eu tinha desculpa pra falar sozinho e poder ouvir minha voz ou uma voz qualquer que de mim saía, mas não era minha. quando não falava com as coisas, falava com o mundo. mas sempre falei. sempre pensei falando alto sem falar. sempre tive palavras me acompanhando. mesmo quando faltava a palavra subterrâneo ou interestelar. porque eu lembro de pensar em estrelas. e do fundo do transporte escolar eu olhava o céu e pensava. pensava em sair por aquela mesma janela e voar e crescer. e ver o mundo virar criança sob meus pés. e ver o sistema solar virar gude em minhas mãos. e ver nebulosas. quasares. buracos-negros. estrelas de neutrons. muito antes mesmo de saber que existiam palavras pra tantas imagens fantásticas e assustadoras que me faziam dormir encostado no cantinho, coberto dos pés à cabeça.

lembro que ser menino dói uma dor diferente. que não se sente no corpo. que ser menino é ter cara feia sem ter fome. sem ter frio. sem ter medo. menino não chora. menino não fala. menino não pensa. mas cabeça de menino vibra quando a Menina passa. o coração de menino, que brinca de ser duro, pula diferente. o estômago de menino, que serve pra fome, sente uma coisa diferente. sem ter palavra pra isso. ser menino dói a dor de não poder ser menino. afinal, o que é que tinha de ser se não aquilo que sentia, e não o que falavam? do outro lado só ouço relatos, mas do meu lado da trincheira, as explosões e tiros eu fazia com a boca. que pra menino serve pra cabum pou e ratátátá. falar a gente falava por dentro. corpo de menino dói. corpo de menino chora.

lembro de saber que o mundo me pedia mais do que me dava. mas sabia que quando crescesse passava. lembro de saber que o mundo é hostil pros meninos e meninas. mas que quando eu crescesse, aliviava. lembro de pensar que o mundo podia ficar pequenininho sob meus pés. mas quanto mais cresci, menor fiquei.

sexta-feira, novembro 20, 2009

maombi kwa eshu

minha mãe é de fogo e de sal grosso. e rodopia na floresta. e voa por cima dos edifícios. e cala quieta por sobre as massas d'água. meu pai é de vento e de trovão. e cala mais alto quanto mais negra é a noite. e grita trevoso por sobre os cursos d'água e d'asfalto. e atinge prédios árvores e incautos. e é voz presente. e é luz presente. e é rasgar o céu.

pai e mãe, protege-me e abraça-me. afogue os traidores no dilúvio ancestral que pariu o mundo. queime os infiéis na fogueira do rancor divino. esse que destrói cidades e inunda. pai e mãe, leve de volta pro mundo a centelha que descansa por detrás dos olhos e que cospe fogo pela boca. pai e mãe, dança no mundo pra derrubar cada prédio árvore poste e muro que ficar em minha frente. dança pisando forte no chão, pra endurecer a terra que meus pés pisarem. dança pisando no céu, pra fazer chover quando é seco. pra fazer sol quando é triste. pra fazer raio quando é breu. pisa em minha cabeça pra quando eu levantar ficar da altura dos meus sonhos. pisa em meus calos pra quando eu lembrar que tem dor em cada sapato também tem quem lembre dos passos que já dei. pisa forte levantando poeira e som e fazendo música pra ninguém ouvir. baixinho e estrondoso. pai e mãe, protege que a gente some. abraça porque a gente tem fome, também. joga sal e vinagre em cada ferida aberta e faz cafuné se a dor for grande. escuta a prece de quem já não acredita. porque sempre é hora de fé pouca quando a dúvida é muita. abram as portas e as janelas que o chão do mundo é pouco pra tanto ar que quer sair e entrar.

minha mãe é de fogo e de sal grosso. meu pai é de vento e de trovão. meus irmãos me deixaram na escola e me mostraram a rua. e desenharam um mapa em meu corpo pra sempre que quiser me perder.

terça-feira, novembro 03, 2009

carta aberta àqueles que me odeiam (mas também aos que não me toleram, não gostam de mim, e aos que acharam que sou menos bonito do que costumava ser)

onde se lê:


sou e erro. sou humado e se não sou demasiado humano, pelo menos sou humano por muitas vezes entre a hora de acordar e a hora de dormir e erro. erro. erro. erro entre o dormir e o acordar, mas no sonhar o erro não deixa marca fora, só dentro. mas isso não conta. o que conta é que eu erro. e façam as contas dos meus erros, porque quem erra não lembra por muito mais tempo do que o necessário.

e se agora tenho problemas em conseguir fazer do dormir ao acordar uma jornada mais calma e preciso falar que sim, eu erro, é porque tem algo que esquecem e eu preciso lembrar. ouçam minha voz. olhem nos meus olhos. mágoa é cicatriz de erro que cortou a pele da calma mais fundo. rancor é nome feio pra coisa não falada. ou falada à toa, sem ouvintes, numa floresta qualquer em tunguska. eu erro, erro, e erro. mas se não ouvem minha voz e não olham nos meus olhos, fica só a voz do erro. que não muda e sempre te acorda rouca no fundo do ouvido, sussurrando algo que passou-e-não-passará-jamais. nessa voz reside só um pigarro amargo de todas as gripes mal curadas e noites em claro, com frio e sozinho.

à todos que me odeiam, me odeiem ouvindo meus olhos. olhando minha voz. sabendo quem sou eu e quem é meu erro. me odeiem, e tudo bem. me julguem, e tudo bem. mas não esqueçam que eu escuto e falo. quase ao mesmo tempo e quase sempre.


e pra quem procura a moral da história, procure andando e olhando pros lados. pra cima. pra baixo. pra si mesmo. procure no mar e no céu. procure em qualquer coisa com mais de dois lados e menos frágil que o ar que você sopra. porque todo castelo de cartas erguido sempre tem volume, cor e história. mas passado o vento, sobram apenas duas possíveis faces caídas na mesa. se o valete sorri pra você ou te dá as costas, agradeça à quem for de agradecer, mas ele sempre só vai poder te oferecer isso.

atenciosamente,

r.

leia-se:

obrigado.

sexta-feira, agosto 21, 2009

rrënjë & përqafim

eu não entendo o invisível. e a tecnologia dos corpos soltos no ar. não entendo a falta das coisas que conectam e ligam. não entendo a falta dos cabos. dos fios. das tomadas e gambiarras. entendo as plantas. entendo as raízes. entendo o chão também. entendo a gravidade. entendo o abraço da terra nas estruturas radiculares. em outras palavras entendo também. entendo que o dedo na tomada dá choque. entendo o que é USB. RF. AV. entendoas palavras que não dizem nada pra isso. não entendo gente. que pode andar. pode sentar. mas pode sair também. gente que não abraça. gente que não dá a mão e não solta. que não segura na hora do aperto. que não aperta na hora da decolagem. da cena certa do filme. que não aperta quando quer falar e não pode. não entendo só uma mão solta no mundo. sem dedos na tomada para sentir o choque. não entendo o que não vejo. não acredito em fantasma. não entendo o wi-fi. as ondas eletromagnéticas. o espectro invisível da luz. o espectro invisível no seu quarto. os espectros que rondam o mundo. não concordo. não entendo gente. não entendo telefone sem fio. nem gosto muito. gosto de gente. gosto de ligar. não entendo não ligar como não entendo desligar assim. eu entendo de fios e de cabos e de ligações e de ciranda. entendo de brincadeira de criança mesmo brincando sozinho. eu entendo lego. eu não entendo o pé no chão quando o pé destoca o frio. eu gosto de pé na lama. do abraço da lama. da lama entre os dedinhos. o som e a sensação de ter raiz por um segundo. eu gosto de pôr a mão em sacos de sementes. feijões. favas. arroz. eu entendo as sementes querendo estar sozinhas dentro da terra. com os pés na lama. com a lama entre seus dedinhos. eu entendo as plantas e as coisas que ligam. eu entendo as raízes e os cabos. eu entendo o tronco. eu entendo o galho. eu entendo as folhas. eu entendo o que é subir ao céu pelo seu punhado de luz. eu entendo o que é levantar a cabeça. não faço. entendo.

sexta-feira, julho 17, 2009


Melô do Amor Dentro da Ótica de uma Conjuntura Histórica e Política no Contexto Latino-Americano (MC Raphael)


Bárbará se ligue nessa estrofe que eu mando
pra rimar de amor, sou melhor do que o wando
mas rap é uma parada pras parada bem mais forte
e tenho uma temática guardada no estoque

eu venho te falar do golpe em honduras
a América Central vem passando por agruras
mas a democracia tem neguinho que só quer
pra dar pra americano, que bando de mané!

na história política, a gente só se fode
os mano que se preza pula fora quando pode
mas voto nulo e branco só se fode com a gente
tamo nesse país onde o Sarney foi presidente

lembra da história de brasil e portugal?
os portugueses vinham pra fazer uso do pau
aquele que deu nome, a-o nosso país
mas essa é a história que a escolinha diz

o pau que eu vou falar é doutra natureza
os portugueses vinham pra fazer é safadeza
comeram nossas índias, que esculhambação!
mas pelo menos deu a bela miscigenação

no resto da América o lance era da Espanha
o mano Hérnan Cortés já chegou cheio de manha
pintou em Montezuma e mandou o enganation
mas mal sabia ele que o Zuma era do gueto!

Espanha genocida partiu logo pr'ação-ão!
rolou um EXTERMINE nessa civilização-ão!
e pra complementar, ainda achou pouco
buscou o Eldourado pra rapar todo seu ouro!

no panteão da história de onde nós fomos o palco
eu tenho que afirmar: já começou tudo errado
sofremos fudição - yo!
roubaram nosso chão - yo!
e agora a gente sofre até pra comer um pão!

voltando pro país d'onde vim e onde amo
acabo de lembrar da gripe desse ano
os porcos inocentes, que só tomam no cu
ficaram de culpados por três mortes lá no sul

e aí é que me lembro de nossa desigualdade
e lembro que a história é permeada de maldade
o sul e o sudeste querem dizer "sou o tal"
mas vem para o nordeste, e passam a pagar um pau!

porque nesse país de maravilhas naturais
tem praia, cachoeira e os mais belos animais
excluo com certeza, o povo do senado
aquilo não é anta, é bando de tapado!

me volto então pra crise da atual conjuntura
um bando de fudido sem a menor compostura
se for pra nos roubar, inventam até decreto
mas ficam se enrolando por um tal Ato Secreto

segredo por segredo, vejam minha felicidade
a única explicação, é o amor de verdade
a mina é zoada e só fala o que quer
mas tou do lado dela, e eu não arredo o pé!

veio do interior, na maior inocência
chegando do sertão, cheinha de doença
mas viu que o bagulho da cidade é melhor
e encontrou seu rapper, e não ficou mais só

ligado na história dessa bela menina
gostosa e melindrosa, estaile jacobina
mandei minha verdade, sem piedade nem dó
curei minha meningite, e meu vício no pó

eu sei que sou o bom, confio na minha rima
foi através do rap que eu me enchi de mina
mas já selecionei, com certeza que é o certo
agora conquistei porque eu sou muito esperto

na briga do amor, vale o que for pior
até uma cantada do Agnaldo Rayol
mas já fugi do tema, e com medo da crítica
voltemos pra história, a história política

o homem não é só - ele não é uma ilha
se ligue na parada que eu mando nessa fita
saímos de honduras, e nessa diatribe
chegamos em Havana, a jóia do Caribe

Cuba não é a terra onde vive o Lobo Mal
também não é lugar pra moleque pagar pau
se ligue na idéia, se embale no compasso
e vamos conhecer a terra de Fidel Castro

lá é a terra guardiã do comunismo
vizinha do puteiro do nosso capitalismo
na universidade, a vermelhada vibra
mas para a pelegada, a Cuba é uma pica!

na hora do aperto, aqui pobre se ferra
e lá em cima mesmo todo mundo tá na merda
mas se rico que é rico, chora sangue em Dubai
o pobre se fudendo não tem asa de papai

a crise mundial afeta todo mundo
o dinheiro do rico é cheque sem fundo
mas pra o pobre então, aí é sacanagem
não fica nem trocado para completar a laje

e eu fico pensando, será que eu me extendi?
a rima me levando o tempo passa e eu nem vi
só pra finalizar, deixo o recado certo
Brabinha eu te amo e comigo o papo é reto!

quinta-feira, abril 16, 2009

i'll swallow until i burst
until i burst
until i


depois de quase um mês a coisa não sai do corpo e não sai da cabeça e não é digerido ou metabolizado ou expulso pelo corpo em suores ou falas ou gestos e nem se dilui nos humores e nos sangues em veias e artérias. a coisa engrossa e se quer sair, sai pelos olhos em gotinhas miúdas e cheias de oco no peito. quase não sai. nem se tento abrir o parêntese pra falar como eu, consigo -já é tempo que consegui expulsar esse último personagem dos meus contos e novelas. e são os anos de quarto escuro ou claro quente sempre e sozinho tantas vezes. enchendo o ar ressoando nos móveis paredes e no corpo - pois é vibração. embalando um sono, entoando um grito, acompanhando qualquer sentimento besta ou impressionante, qualquer revolução ou resignação, qualquer coisa boba que dez anos de uma vida curta possa trazer, cheia dos exageros que fazem a pessoa e a idade.

da experiência o que se apaga é o tanto de suor aperto sede desconforto e dor, sim, porque o corpo ainda dói. lágrimas as vezes não doem, e quase nunca se esquecem. e nem é por tentar florear o que na verdade foi só o que foi: não foi só o que foi nem nunca poderia ser porque não foram só dois aviões alguns ônibus metrô trens e taxis que me levaram até lá. foram eles e os tais dos dez anos e as tais coisas bestas que me arrastaram pelos cabelos, pernas, lágrimas e qualquer coisa que ainda bata aqui. enfim, enfim.

não foi só o que foi.

domingo, fevereiro 01, 2009

v e n s t e r s

#1

quando fui acordado estava tendo um sonho que me seguiu enquando eu me espreguiçava. e do sonho sobrou a imagem de alguma coisa ainda na cabeça, esvanecendo. e antes de esquecer do que havia sonhado quis guardar no pulmão como um sopro alguma coisa qualquer. prendi o ar até ficar roxo e deixei esse sonho entrar em mim e correr em minhas veias. respirei calmo não porque ainda podia estar calmo àquela hora, mas porque tinha medo de expirar o que sobrava. olhei a janela ainda da cama e vi a mesma paisagem de todos os dias. o quintal. o varal. a escada. a bicicleta. todos atrás das grades da janela. primeiro me perguntei se quem estava preso eram eles ou eu. depois pensei em janelas. e em paisagens. e em todas as janelas que já havia visto e ainda vejo. todas que virão e as que já vieram e foram embora. as paisagens passam e por mais que tentamos, só temos dois pulmões pra guardar a memória com nosso fôlego.

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#2

são quase vinte e cinco metros abaixo, quase sessenta metros até a parede à frente e infinitos metros de mundo para qualquer outro lado que eu olhe e insisto em me manter preso à menor distância. ignoro os flocos de cinza que o vento leva pelo mundo e fumo meu cigarro olhando para o chão. a janela agora me serve para fumar e olhar você sair do edifício vinte e cinco metros abaixo de mim, em direção aos infinitos metros de mundo longe de mim. e claro, o mundo tem infinitos metros e litros e horas e watts volts quilos e todas as unidades de medidas do mundo e eu não sou nem mais nem menos do que tudo o que o mundo oferece. sei e ignoro. é assim mesmo. respiro fundo enquanto a janela me dá o descanso para os meus braços cruzarem em seu peitoril, minha boca sorve a fumaça lentamente e meus olhos olham você de longe indo. a janela é a minha visão apertando os olhos para te enxergar de mais longe, por mais tempo.

virada a esquina, a janela era só um buraco na parede.

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#3

já tinha muito tempo que não parava em canto algum. nunca morava mais de dois anos no mesmo lugar. e de idas e vindas casa alguma significava mais ou menos do que apenas uma casa. mudava porque pensava que ele morava em si mesmo e a casa nada mais era do que uma roupa mais folgada. dizia a si mesmo que todos nascemos nus e aquilo fazia algum sentido para ele. mas ainda assim, um ritual cumpria ao se mudar de e para uma casa: olhava a janela. olhava demoradamente, e como se aquela casa ou aquele apartamente fosse uma camisa ou calça, parecia averiguar se a janela deixava passar seus braços, pernas e cabeça. ou olhava parecendo comparar as janelas mentalmente uma à uma. como se janela alguma guardasse uma paisagem que ele ainda buscava. como se ainda procurasse a visão perdida. claro, sabia que nenhuma janela guardaria paisagem melhor do que aquela que vira ao lado dela. mas repetia para si mesmo, todos nascemos nus. e algum sentido fazia.