parece um visgo. uma segunda pele de cola permanente. os elétrons de sua pele querendo se ligar à cama. forças eletromagnéticas inexistentes mas que atuam no seu corpo inteiro. olha só que mistério. um corpo-imã desenhando de forma invisível aqueles rastros em círculo em volta de seus polos. grudado. parece um visgo.
a cama já criou uma ranhura em seu formato e como uma ficha num fliperama desligado você está lá dentro. um slot. um molde. seu corpo-imã não tem porque lutar contra, aquele é seu espaço. e você não quer lutar contra as forças mais poderosas da natureza. nossa física conta quatro forças que explicam e unem tudo no universo e de todas elas não é nem a gravidade a mais forte dentro da escala do seu quarto, mas até ela acelera seu corpo sempre pra baixo a 9 m/s². pra dentro da cama. pro molde.
parece que tudo está suspenso. e não no sentido de parado, mas no sentido de em suspensão. um atoleiro. areia movediça. os grânulos de areia em suspensão num colóide grosso que te engole como nos filmes, mesmo você sabendo que ninguém morre engolido por areia movediça. o símbolo é o que importa. você afundando pouco a pouco. os braços pra cima sendo seu último sinal pro mundo ei eu tou aqui alguém me tira dessa porcaria de tropo antiquado de filme. o carro atolado na duna que cada força que faz pra sair, cada pisada forte no acelerador, mais e mais se engancha nas malícias da areia fina e inocente.
parece um visgo. não aquele arbustinho fofo, mas aquele visgo que sua vó fala quando passa a mão na sua testa e te enxota pra ir pro banho pra tirar a nhaca. visgo e nhaca, palavras que se afundaram também na areia movediça da história e vão aos poucos morrendo com seus falantes que talvez pouco se esforçaram pra guardar na oralidade essas graças, ou apenas vão aos poucos morrendo porque há de ser assim com tudo um dia. palavras que também se afossam no fundo do poço do que já fomos, e que pode ou não virar combustível fóssil para queimarmos em nossos neologismos ou apropriações de palavras estranhas. nhaca, visgo, visguento.
o tempo é visguento. e como o nome acusa, gruda na pele como cola permanente. o corpo-imã que se arrasta no tempo levando grudado no corpo magnetizado todo atoleiro que você já se meteu. e por mais que alguém diga que ele na real nem existe, vai lá explicar pra quem já nada há muito na viscosidade do tempo que aquilo é só uma percepção limitada por nossa cognitividade. foda-se, meu amigo. o tempo existe e gruda na gente como a mão da vó na nossa testa. essa mão que o próprio tempo há de engolir no buraco da inexistência, mas cujo grude na sua testa pra sempre vai colar em sua memória.
e vai lá querer deixar tudo em palavras lógicas e reproduzíveis e procedimentais e sistemáticas e controladas e experimentais e o que quer que seja. no fim das contas, sobra você, o visgo do tempo, o quarto, a cama, a ranhura. as quatro forças que a física explica unindo seus núcleos,cindindo suas partículas, carregando eletricidade e te fazendo deformar o espaçotempo e afundar na cama a 9 m/s².
mas vai tentar explicar, vai.