segunda-feira, agosto 06, 2012

martha's hula hoop


tudo começou no mar. e da água e do sal que o forma viemos todos. tudo começou num choro, também de água e sal. e de onde venho, o choro não se faz diferente. 

a história também começou de um choro. um mês antes do tempo necessário, nasceu e chorou pela primeira vez. a mãe em uma maca. num corredor. tentando segurar o primeiro filho que insistia em nascer, para dar tempo ao médico chegar. mas queria nascer e "não adianta, ele já está saindo" e saiu. e chorou. 

quatorze anos depois chorou porque o amor da curta vida dele estava nos braços de outro. havia depositado toda sorte de pensamentos e desejos infantis naquele amor e no momento ela beijava outro. a vida aconteceu naquele momento, e no caminho para casa chorou. 

nove anos depois ouviu que não era amado. depois de anos e anos de promessas de eternidade, quando o eterno vale muito menos do que parece e é moeda fácil de quem conhece muito pouco o tempo. tinha conhecido muito de uma vida e chorou.

onze anos antes chorou madrugadas inteiras quando o mundo que ele conhecia parecia ruir como ruia o casamento dos pais. não dormiu vários dias e um dia o pai saiu de casa e chorou.

treze anos depois chorou. vinte anos antes também. vinte e cinco anos depois chorou mais uma vez. segurou tantas vezes e tantas vezes mais largou uma após uma as lágrimas que guardou. e chorou.

e essa é uma parte da história, que começou com um choro e noutro chegou. e essa parte da história é sua. e tantas outras também. tome conta da história e da parte do homem que com você foi. foi no choro e no sorriso. foi na lembrança. se alguma coisa tem um sentido, o sentido é circular e nunca termina. qualquer ponto nunca é fim, mas começo. hoje começou uma nova história, e como toda boa história, começou num choro.

todo dia um ciclo de fecha porque tudo começa no mar. e da água e do sal e do choro tudo vai e ao mar volta. e todo momento é um momento no ciclo. tudo começa num choro mas hoje não terminou nele. porque nada termina. hoje choramos. amanhã o mar leva nossas lágrimas.

toma conta de cada uma, mas chore sempre que precisar ter algo pra começar.

sábado, fevereiro 25, 2012

tudo

como pés tão pequenos sustentam esse mundo? de passos indecisos, indefesos,  com cada pisada que parece tremer o chão, mas sem o peso que precise. abre os braços, quer voar, se equilibra com o que dá. como podem mãos tão pequenas agarrar tudo que existe? cada palavra é um mundo. pá. má. vó. á. au-au. ideogramas sonoros carregando todo o significado do mundo. e o intérprete navega nesse mar de sentido, perdido, ou achado. como podem olhos tão pequenos absorver toda luz do mundo? manhã acesa, chega e cega, e acorda os pássaros e as pequenas pessoas, que acordam as grandes, que acordam o mundo. como pode de tamanho tão pequeno ser tudo? quem é a pessoa que nem sabe o próprio nome e já é dona de si e de nós todos? por que perguntar?

sexta-feira, novembro 04, 2011

chão

não sei se é raiz ou âncora que nos prende ao lugar onde plantamos nosso coração
que se de um nutre e suga a seiva desse canto, e alimenta algo então distante
do outro é lastro e ponto que estável nos dá pé, por mais turbulento seja onde estivermos
se onde plantamos nosso coração está o norte
é de bússola ou de estrela que precisamos?
é de um que aponte e nos faça girar os calcanhares pra qualquer outro caminho
ou outro rasteje pelo céu e nos faça olhar os mapas à buscar seus brilhos?

o que nos prende ao lugar onde criamos o que somos?
porque saímos e vamos em busca do mundo
e só achamos o mesmo lugar, em outras capas
porque vencemos e ganhamos o mundo
e só temos o passado como o retrato que não muda

a gente anda
sem contar os passos
mas o que é que fica?

sábado, outubro 22, 2011

Kaskazini!

muito tempo depois de hoje, depois de quando os gelos aparecerem e sumirem por diversas vezes. depois de todas as tragédias previstas e não previstas. e de toda bonança não esperada. depois de muito esperar, sofrer, crescer e sumir. depois de todas as guerras acabarem e novas recomeçarem. existirá um povo de pessoas que ainda se acharão pessoas, e que contará uma lenda de um povo de pessoas que veio bem antes deles, no tempo que eles ainda tinham como contar, e quando as palavras ainda davam para ser lidas, mesmo quando não faladas. muito tempo depois de hoje, um povo contará uma lenda que correrá mais ou menos assim...

ainda existiam reinos e esse reino, Ardhi, como todos os reinos, possuia reis-deuses e rainhas-deusas, e uma miríade de sub-deuses, semi-deuses, e abençoados, os Mbinguni - seres celestiais. eram os mais bonitos. os mais inteligentes. os mais rápidos. os mais fortes. os mais ardentes de vida. os que pensavam em palavras tão bonitas que não falavam a mesma língua que os outros. que sorriam com tantos dentes que nem toda comida do mundo parecia o suficiente para eles, e por isso elas tinham quase toda. eram tão melhores que nem precisavam afirmar, eles sabiam. e todos sabiam, sem sequer precisar de algum ditado popular, alguma piada, sarcasmo ou qualquer inflexão verbal diferente para se dirigir à eles. eram Mbinguni e isso bastava.

suas mãos faziam música e arte. suas vozes faziam canto, oração e lei e os seus pés nunca tocavam a terra, pois a terra era dos watu, que eram povo, e eram menores, mais feios, mais terrenos. eram watu. todos em Ardhi eram pessoas, mas eles eram watu e isso bastava, até  mesmo como palavra. claro, os Mbinguni olhavam os watu com os olhos mais diferentes possíveis, e como todos são pessoas, entre pessoas existem mundos. e nenhuma questão fisiológica ou genética. ontológica ou astrológica. nenhum mistério secreto havia que discernisse os watu  dos Mbinguni a não ser pelo nascimento. tudo explicava-se da maneira mais simples: os watu não só tocavam a terra, mas nasciam nela. era a terra, que tanto trazia o alimento dos Mbinguni como trazia os watu.

e não era que os Mbinguni moravam em torres de cristal, que se naquele tempo existiam, não faziam alguma diferença porque até mesmo um watu poderia morar em uma torre de cristal, e provavelmente muitos moravam. os Mbinguni moravam e viviam em Ardhi como os watu moravam e viviam em Ardhi, uns melhores, uns piores - mas não tanto quanto os watus que pior viviam, que se faça essa diferença. mas os Mbinguni não tocavam o chão, e do chão nem mesmo vinham. eles nasciam longe da influência nefasta que a terra trazia, e todo e qualquer Mbinguni era certo que nascera em enormes Jua Mashua, onde moravam as suas grávidas por quase todos os meses nos quais os pequenos Mbingunis se desenvolviam em seus ventre e por quanto tempo fosse necessário para que eles se tornassem belos e fortes Mbingunis. e em Ardhi haviam muitos Jua Mashuas, que flutuavam imponentes na maior cidade de Ardhi e bloqueavam o sol e escondiam as estrelas e tamanho era o número e o tamanho de seus balões que o próprio clima se rendia à sua imponência e fazia chover uma fina chuva por sobre a cidade quase todos os dias.

e por sobre todos estavam a rainha-deusa dos Mbinguni, a grande Safi. a mais bela das mais belas de todas as rainhas que Ardhi jamais viu nascer em seu céu, que casara com Bidii, o mais justo e sério e belo e forte de todos os reis que Ardhi jamais viu reinar em seu céu e ambos esperavam Matumaini, que de dentro da barriga de Safi já mostrava que seria forte e impetuoso. o Jua Mashua, que no caso era Kifalme Mashua, de tão divino, real, imponente e grandioso, pairava por sobre Ardhi e lançava sua sombra à terra por sobre watus e Mbinguni igualmente porque nenhum ia tão perto do deus Jua como o Kifalme Mashua, que de tão alto mal se via a cor do mundo em seu detalhe.

e um dia, com uma falta de pressa que o tempo um dia até poderia explicar, o Kifalme Mashua começou a descer. lento e constante. como o peso de um corpo mergulha. e nem todos os engenheiros de Ardhi poderiam explicar ou impedir que o maior de todos os Mashua, com a mais importante de todas as famílias de Mbinguni, um dia tocasse o chão. mas era Matumaini que preocupava, pois com toda força e impetuosidade que atacava sua mãe por dentro ele já mostrava que seria um rei ainda mais justo e sério e belo e forte que Bidii, mas não se mostrava mais apressado visto que o Kifalme Mashua estava - como já dito - afundando. e os dias passavam lentos. e lentamente ia o Kifalme Mashua de encontro à Ardho. Safi e Badii já não mais dormiam e já não mais sonhavam. os engenheiros já não mais dormiam e nem mais viviam muito, tal era a fúria que a justiça de Badii era aplicada. e de tão longe no céu o Kifalme Mashua logo já estava por debaixo de sombras. e Matumaini não nascia. e o chão já era algo que se temia e se enxergava. e Safi e Badii não mais se falavam. e a vida que rasteja já eram um ponto minúsculo mas existente. e a fúria e a solidão se apossava de Kifalme Mashua. o mundo vinha lento. Matumaini ainda não. Kifalme Mashua descia lento. Safi sentia que viria. o mundo vinha lento e grande. Badii estava só. o Kifalme Mashua descia. Matumaini não. Safii sentiu que era o momento. Badii estava só e esperava. o kifalme mashua tocou o chão.

matumaini veio só depois.

menor. feio. terreno.

e nenhum mistério poderia explicar porque ainda assim menor, feio e tão terreno, ele não era nem um pouco diferente de um Mbinguni.