quinta-feira, abril 20, 2006

"O sentimento de humilhação nada mais é que o sentimento de ser objeto. Assim entendido, ele se torna base de uma lucidez combativa na qual a crítica da organização da vida não se separa da realização imediata de um projeto de vida diferente. Sim, não existe construção possível a não ser na base do desespero individual e na base da sua superação: os esforços empreendidos para mascarar esse desespero e passá-los sob outra embalagem bastariam para o provar.

Que ilusão é essa que nos impede de ver a desintegração dos valores, a ruína do mundo, a inautenticidade, a não-totalidade? Será a crença na minha felicidade? Dificilmente! Tal crença não resiste à análise, nem aos sopros da angústia. Descubro antes nela a crença na felicidade dos outros, uma fonte inesgotável de inveja e ciúme que traz por um viés negativo o sentimento de existir. Invejo, portanto existo. Definir-se com base nos outros é apreender-se como outro. E o outro é sempre objeto. De tal modo que a vida é medida pelo grau de humilhação vivida. Quanto mais escolhemos a nossa humilhação, mais "vivemos", mais vivemos a vida certinha das coisas. Essa é a astúcia da reificação, o modo com que ela passa despercebida, como arsênico na compota"


VANEIGEM, Raoul - Traité de savoir-vivre à l'usage des jeunes générations.

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