não sei se é raiz ou âncora que nos prende ao lugar onde plantamos nosso coração
que se de um nutre e suga a seiva desse canto, e alimenta algo então distante
do outro é lastro e ponto que estável nos dá pé, por mais turbulento seja onde estivermos
se onde plantamos nosso coração está o norte
é de bússola ou de estrela que precisamos?
é de um que aponte e nos faça girar os calcanhares pra qualquer outro caminho
ou outro rasteje pelo céu e nos faça olhar os mapas à buscar seus brilhos?
o que nos prende ao lugar onde criamos o que somos?
porque saímos e vamos em busca do mundo
e só achamos o mesmo lugar, em outras capas
porque vencemos e ganhamos o mundo
e só temos o passado como o retrato que não muda
a gente anda
sem contar os passos
mas o que é que fica?
sexta-feira, novembro 04, 2011
sábado, outubro 22, 2011
Kaskazini!
muito tempo depois de hoje, depois de quando os gelos aparecerem e sumirem por diversas vezes. depois de todas as tragédias previstas e não previstas. e de toda bonança não esperada. depois de muito esperar, sofrer, crescer e sumir. depois de todas as guerras acabarem e novas recomeçarem. existirá um povo de pessoas que ainda se acharão pessoas, e que contará uma lenda de um povo de pessoas que veio bem antes deles, no tempo que eles ainda tinham como contar, e quando as palavras ainda davam para ser lidas, mesmo quando não faladas. muito tempo depois de hoje, um povo contará uma lenda que correrá mais ou menos assim...
ainda existiam reinos e esse reino, Ardhi, como todos os reinos, possuia reis-deuses e rainhas-deusas, e uma miríade de sub-deuses, semi-deuses, e abençoados, os Mbinguni - seres celestiais. eram os mais bonitos. os mais inteligentes. os mais rápidos. os mais fortes. os mais ardentes de vida. os que pensavam em palavras tão bonitas que não falavam a mesma língua que os outros. que sorriam com tantos dentes que nem toda comida do mundo parecia o suficiente para eles, e por isso elas tinham quase toda. eram tão melhores que nem precisavam afirmar, eles sabiam. e todos sabiam, sem sequer precisar de algum ditado popular, alguma piada, sarcasmo ou qualquer inflexão verbal diferente para se dirigir à eles. eram Mbinguni e isso bastava.
suas mãos faziam música e arte. suas vozes faziam canto, oração e lei e os seus pés nunca tocavam a terra, pois a terra era dos watu, que eram povo, e eram menores, mais feios, mais terrenos. eram watu. todos em Ardhi eram pessoas, mas eles eram watu e isso bastava, até mesmo como palavra. claro, os Mbinguni olhavam os watu com os olhos mais diferentes possíveis, e como todos são pessoas, entre pessoas existem mundos. e nenhuma questão fisiológica ou genética. ontológica ou astrológica. nenhum mistério secreto havia que discernisse os watu dos Mbinguni a não ser pelo nascimento. tudo explicava-se da maneira mais simples: os watu não só tocavam a terra, mas nasciam nela. era a terra, que tanto trazia o alimento dos Mbinguni como trazia os watu.
e não era que os Mbinguni moravam em torres de cristal, que se naquele tempo existiam, não faziam alguma diferença porque até mesmo um watu poderia morar em uma torre de cristal, e provavelmente muitos moravam. os Mbinguni moravam e viviam em Ardhi como os watu moravam e viviam em Ardhi, uns melhores, uns piores - mas não tanto quanto os watus que pior viviam, que se faça essa diferença. mas os Mbinguni não tocavam o chão, e do chão nem mesmo vinham. eles nasciam longe da influência nefasta que a terra trazia, e todo e qualquer Mbinguni era certo que nascera em enormes Jua Mashua, onde moravam as suas grávidas por quase todos os meses nos quais os pequenos Mbingunis se desenvolviam em seus ventre e por quanto tempo fosse necessário para que eles se tornassem belos e fortes Mbingunis. e em Ardhi haviam muitos Jua Mashuas, que flutuavam imponentes na maior cidade de Ardhi e bloqueavam o sol e escondiam as estrelas e tamanho era o número e o tamanho de seus balões que o próprio clima se rendia à sua imponência e fazia chover uma fina chuva por sobre a cidade quase todos os dias.
e por sobre todos estavam a rainha-deusa dos Mbinguni, a grande Safi. a mais bela das mais belas de todas as rainhas que Ardhi jamais viu nascer em seu céu, que casara com Bidii, o mais justo e sério e belo e forte de todos os reis que Ardhi jamais viu reinar em seu céu e ambos esperavam Matumaini, que de dentro da barriga de Safi já mostrava que seria forte e impetuoso. o Jua Mashua, que no caso era Kifalme Mashua, de tão divino, real, imponente e grandioso, pairava por sobre Ardhi e lançava sua sombra à terra por sobre watus e Mbinguni igualmente porque nenhum ia tão perto do deus Jua como o Kifalme Mashua, que de tão alto mal se via a cor do mundo em seu detalhe.
e um dia, com uma falta de pressa que o tempo um dia até poderia explicar, o Kifalme Mashua começou a descer. lento e constante. como o peso de um corpo mergulha. e nem todos os engenheiros de Ardhi poderiam explicar ou impedir que o maior de todos os Mashua, com a mais importante de todas as famílias de Mbinguni, um dia tocasse o chão. mas era Matumaini que preocupava, pois com toda força e impetuosidade que atacava sua mãe por dentro ele já mostrava que seria um rei ainda mais justo e sério e belo e forte que Bidii, mas não se mostrava mais apressado visto que o Kifalme Mashua estava - como já dito - afundando. e os dias passavam lentos. e lentamente ia o Kifalme Mashua de encontro à Ardho. Safi e Badii já não mais dormiam e já não mais sonhavam. os engenheiros já não mais dormiam e nem mais viviam muito, tal era a fúria que a justiça de Badii era aplicada. e de tão longe no céu o Kifalme Mashua logo já estava por debaixo de sombras. e Matumaini não nascia. e o chão já era algo que se temia e se enxergava. e Safi e Badii não mais se falavam. e a vida que rasteja já eram um ponto minúsculo mas existente. e a fúria e a solidão se apossava de Kifalme Mashua. o mundo vinha lento. Matumaini ainda não. Kifalme Mashua descia lento. Safi sentia que viria. o mundo vinha lento e grande. Badii estava só. o Kifalme Mashua descia. Matumaini não. Safii sentiu que era o momento. Badii estava só e esperava. o kifalme mashua tocou o chão.
matumaini veio só depois.
menor. feio. terreno.
e nenhum mistério poderia explicar porque ainda assim menor, feio e tão terreno, ele não era nem um pouco diferente de um Mbinguni.
domingo, março 13, 2011
der alte mann und das meer
olho para meus olhos e não vejo mudança. se os pigmentos da iris mudaram não sei, nunca reparei. olho para as minhas rugas e vejo as mesmas nos mesmos lugares. as mesmas cicatrizes feridas do tempo. as mesmas marcas que cada mágoa e cada sorriso deixou. a mesma folha de ponto de cada sentimento que passou por mim. nada mudou. os cabelos brancos que conto todos os dias mantém-se os mesmos. quatorze. conto-os com displicência, claro. mas devem ser os mesmos ou devem substituir os que arranco em lampejos de raiva do tempo. ele que nem tem culpa. as dores são as mesmas. antes de chover é o joelho. ao acordar é nos tornozelos. antes de dormir é nas costas. nos punhos. no peito. sempre achando que é infarto. mas pode ser gases. mas pode ser nada. provavelmente nada.
sigo o rastro das dobras em meu corpo e com os dedos do olhar percorro cada micro-vale e cada estrada aberta em meu corpo e vejo o mesmo mapa. posso afirmar depois de categoricamente me observar e analisar o meu corpo inteiro: não mudei de ontem para hoje. mas então porque o peso que não se sente - aquele dentro da cabeça, feito de alguma coisa que a gente não pega, não mede, não pesa e não carrega em algum tipo de vesícula no corpo - porque esse peso, essa fatia de si, essa substância, me diz que estou mais velho?
não mais velho de corpo, porque esse me engana sendo igual, mas eu sei que morre todo dia um pouco. mas mais velho de como olho o mundo. como se meus olhos criassem um glaucoma invisível que apenas enverniza a vida com a laca da idade. olho o mundo olho a janela olho as pessoas e me sinto como se eu tivesse dado um passo à frente. ou para trás, não consigo discernir.
não tenho pensado o mesmo que ontem e não quero pensar o mesmo que ontem. olho com muito pouco enfado o fardo que carreguei na juventude que ainda me pulsa nas veias. mas olho como se não fosse de agora. olho a arrogância da tristeza adolescente - que vê toda a felicidade como ilusão - como algo apenas. triste. vazio. pouco. são tão poucos anos que nos marcam a vida inteira. são tão poucos julgamentos que levamos numa mochila. na bolsa. no bolso da jaqueta. pra um sempre que não é sempre. pra um eterno que dura tão pouco. porque olho assim então se estou o mesmo com as mesmas rugas e as mesmas marcas e as mesmas forças por dentro de cada veia?
esqueço por um segundo. lavo os pratos. ouço algo tocar. fora, nesse caso. faço um esforço mínimo para me sentir vivo, porque viver hoje é força e é vagalhão. a vida é maior do que eu. sou apenas um poço de marcas.
e feliz.
sigo o rastro das dobras em meu corpo e com os dedos do olhar percorro cada micro-vale e cada estrada aberta em meu corpo e vejo o mesmo mapa. posso afirmar depois de categoricamente me observar e analisar o meu corpo inteiro: não mudei de ontem para hoje. mas então porque o peso que não se sente - aquele dentro da cabeça, feito de alguma coisa que a gente não pega, não mede, não pesa e não carrega em algum tipo de vesícula no corpo - porque esse peso, essa fatia de si, essa substância, me diz que estou mais velho?
não mais velho de corpo, porque esse me engana sendo igual, mas eu sei que morre todo dia um pouco. mas mais velho de como olho o mundo. como se meus olhos criassem um glaucoma invisível que apenas enverniza a vida com a laca da idade. olho o mundo olho a janela olho as pessoas e me sinto como se eu tivesse dado um passo à frente. ou para trás, não consigo discernir.
não tenho pensado o mesmo que ontem e não quero pensar o mesmo que ontem. olho com muito pouco enfado o fardo que carreguei na juventude que ainda me pulsa nas veias. mas olho como se não fosse de agora. olho a arrogância da tristeza adolescente - que vê toda a felicidade como ilusão - como algo apenas. triste. vazio. pouco. são tão poucos anos que nos marcam a vida inteira. são tão poucos julgamentos que levamos numa mochila. na bolsa. no bolso da jaqueta. pra um sempre que não é sempre. pra um eterno que dura tão pouco. porque olho assim então se estou o mesmo com as mesmas rugas e as mesmas marcas e as mesmas forças por dentro de cada veia?
esqueço por um segundo. lavo os pratos. ouço algo tocar. fora, nesse caso. faço um esforço mínimo para me sentir vivo, porque viver hoje é força e é vagalhão. a vida é maior do que eu. sou apenas um poço de marcas.
e feliz.
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