a minha sorte é que sei dormir. sei dormir e esquecer. e acordo como quem volta de uma viagem, trazendo a lembrança que a saudade não apaga, deixando pra trás o pó da estrada e as farpas do chão de casa. sei dormir e acordar lembrando apenas do que de bom eu deixei na noite anterior. por isso não sonho. não quero inventar histórias mais, quero apenas dormir. e esquecer. e acordar.
e minha sorte é que sei dormir. e durmo em qualquer lugar. na cama, no chão. no sofá. na cadeira, segurando a mão de alguém. no metrô, pensando bem. sem sonhar. apenas dormir. e esquecer. e acordar.
e de cada mundo novo que descubro à minha frente, ainda sonolento e confuso, sempre aparece o sorriso que deixaram. o elogio que me enrubesceu. aquele carinho velado ou exposto, que aqueceu mais que esse edredom cheio de mim. durmo ofendido, acordo agradecido. deito coberto de um choro longo, acordo com a vontade de lembrar o que foi mesmo que me fez tanto rir antes de dormir. e esquecer. e acordar.
mas as vezes a noite é fria. como essa hoje. e frio frio frio o vento castiga o meu sono. e não durmo. não esqueço. desisto de acordar e fico preso. sou o mesmo de ontem ainda. e ainda lembro. não pode ser assim, pois das minhas sortes, uma eu sei: é que sei dormir.
abraço o travesseiro, não tem outro jeito. enrolo cada dedo de um pé no seu irmão no outro. penso baixinho que a sorte existe, e sou assim. penso que estou lá dentro, quente. vivo. pulsando. batendo. bombeando sangue pro resto do mundo. um coração me abrigando. e me cubro de cúspides. me aninho no átrio. estou com sorte, pois sei dormir. e durmo.
mas esse frio frio frio. acordei num quarto vazio. e ainda lembro.
não pode ser assim.
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