terça-feira, outubro 23, 2012

choiva

o corpo humano tem mais de 20 órgãos, mais de 630 músculos, 206 ossos. partes móveis e duras, partes moles e líquidas. linfa. sangue. fezes. urina. neurotransmissores. hormônios e outros milagres. o corpo humano possui partes e peles e nervos. o corpo é um objeto. e não é só físico.

uma parte é arrancada de um corpo e não é físico nem objeto. uma parte se arranca desse corpo e dói. mais que um dente extraído. menos talvez do que um membro sendo amputado. ou mais talvez. uma parte do corpo é arrancada e fica o vazio. não físico. nem objeto. o vazio.

o vazio ocupa espaço. o vazio existe. o vazio é coisa. o vazio dói. e o vazio está lá, no corpo humano. sendo falta e presença. sendo coisa e ausência.

o vazio acomoda-se. o corpo humano se acostuma com o vazio. e o vazio lá fica. por um tempo. não é nada, só um vazio. e ele não ocupa mais tanto espaço. ele existe. ele não é tão coisa. e nem dói tanto. o vazio é só um vazio, e faz as vezes de ser o que é. é aquela coisinha no fundo e dentro do corpo humano que não é órgão, músculo, osso ou líquido, mas que é. e você se acomoda. passa o tempo e é um ruído de fundo.

depois uma coisa surge e ocupa o espaço. você sabe os perigos, vai com calma. preenche a lacuna com aquela coisa líquida à conta gotas. de funil. aos poucos. mas transborda e enche o vazio que vira Coisa e é Algo. surge e ocupa o espaço. é física e é objeto. não dói como dente careado. não dói. é bom. é Coisa. é Algo. não tem nome, mas É.

e é arrancada de um corpo. mas não é.

e você volta pra casa na chuva, sentindo cada gota gelada em seu cabelo em seu rosto em seus óculos, encharcando cada fibra de sua blusa. ensopando seus sapatos suas meias maldito guarda-chuva que esqueci. você pensa na chuva. pensa que se ela lava esse céu imundo e triste, por que não lava qualquer coisa além de seu rosto pele e roupa. pensa no vazio. por que não pode a chuva já que invade tudo até o seu dedão do pé está molhado. por que não pode a chuva invadir. e preencher o vazio. de conta gotas. de funil.  a chuva só te deixou molhado.

talvez você pegue uma gripe.

karl marx is right

o tempo é a água que dilui tudo que é sólido. o tempo não dá. tira. o tempo apaga. o tempo escorre e enxágua. o tempo limpa. o tempo é o vácuo crescendo e engolindo a memória. clareando a cicatriz. transformando em mais fina areia a maior rocha ígnea. o tempo é o vento erodindo a montanha do ser. o tempo é a borracha. o tempo é cruel. 

mas tudo bem. o tempo cura.

060670

(depois de anos sem escrever uma música, me surge uma melodia e a letra saiu como se já existisse. que seja assim.)

quem lê

quando eu te encontrei
eu já me perdia

e não entendi você
pois não me entendia

o que eu posso te fazer
eu não me faria
pois eu sou como você
você é ainda

antes de me conhecer
cê já me conhecia

e não pude te esquecer
pois eu já sabia

o que eu posso oferecer
do que já não tinha
esperar o trem porque
você já partia

medo todo mundo tem
e sofrer é regra
pra cair em si porque
o amor entrega

mas não deixe de levar
o que tenho em ti
pois sei que vou precisar
pra cantar pra mim

você, você, você, você
você, você, você, você

segunda-feira, outubro 22, 2012

comiat

vou acreditar na ciência. nos princípios de causalidade. abraçar os fatos duros e matemáticos e sorrir na exegese das fórmulas e teoremas. esqueça a sincronia. esqueça o horóscopo. esqueça o tarô. esqueça o que não tem dado, não tem número, não tem certo. esqueça que na cabeça e no coração moram razão e amor. um é controle e o outro bombeia sangue e só. esqueça as guinadas e catarses, a vida talvez seja um autorama de coisas cíclicas buscando a entropia.

vou acreditar em heisenberg. vou acreditar em descartes. vou acreditar no eixo x e y, e nas parábolas, hipérboles, retas e curvas. vou acreditar que tem explicação, por mais que eu não acredite.