existia - e apenas o narrador no momento sabe que irá existir até o fim da existência de nosso personagem - um distanciamento entre ele e qualquer coisa que não fosse ele. inclusive a parte dele que ele desconhecia ou teimava em pensar que desconhecia. não uma espécie de autismo seletivo, mas funcionava como. claro que não estava ele preso dentro de uma realidade só dele, apesar de que o mundo no fim das contas é uma realidade só nossa - no caso a dele, só dele. aparentemente o mundo dele era o mesmo da garota do começo do texto. dividiam alguns gostos e desgostos (ficando na esfera pessoal) e experienciavam as mesmas cores, os mesmos sabores e cheiros, viam as mesmas pessoas e os mesmos lugares - não da mesma forma, mas na essência eram os mesmos. mas enfim, existia um distanciamento dele. que isso ele achava ser só dele. ele sabia de cor todas as manchas de sua pupila, todas as sardas, todos os sinais, cada fio de cabelo em seu comprimento, cor e fluidez, sabia os discos favoritos, as bandas favoritas, os filmes, os livros. ele a conhecia muito, diria qualquer um - inclusive ela. mas ele não chegava perto o suficiente daquele ponto que poderia ser esquematizado dentro do corpo dela, mas certamente não estamos falando de seu útero, pulmão ou rim. mas de algo metafísico, se é que algo metafísico existisse.
bem, o que acontecia era que o máximo que ele podia fazer era decorar. era memorizar as nuances da vida, e tentar sempre, e ao máximo, lembrar o que podia das coisas que podiam fazer com que ele sentisse em sintonia com alguém. a sintonia nunca existira - e o narrador adianta que nunca existirá em sua vida - e portanto aquilo que só ele poderia saber se valia de aguda percepção e memória. mas visto que o nosso personagem não possuia tão aguda percepção e muito menos memória pródiga, o muito que só ele poderia saber era tão pouco, mas tão pouco, que o problemas referidos na primeira frase do texto na verdade era um problemão. ele era incapaz de sentir as pessoas profundamente. incapaz de alcançar algo perscrutável por algo mais que o olhar e o ouvir. e incapaz de fazer aquelas ligações que alguns fazem - muitas vezes errôneas aparentemente mas que parecem encaixar-se na situação - quando dizem que conhecem à fundo alguém. e claro, claro, claro que isso era frustrante. claro, claro, claro que isso era muito para ele aguentar. e mais ainda, para ela aguentar. era só de um esforço sobre-humano - tendo como parâmetro de humano ele mesmo - de memória que ele ia chegando perto do mundo, nunca desvendando, mas ouvindo e vendo o que dava para ser visto e ouvido.
e minutos depois de dizer você tem problemas e tornar-se ex-namorada, à cada minuto que passava, ele esquecia um pouco mais.
tempo, tempo, tempo, tempo.
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