tenho sentido cheiro de carniça, de algo morto, que me persegue onde vou. um cheiro que não entra pelas narinas, mas, pelo contrário, sai delas. sai da minha boca. dos meus ouvidos. dos meus olhos. sai dos meus poros como o suor de algo morto que se cansou dentro de mim. mas esse cheiro que sinto não confirmo, não vejo onde está esse cadáver e ignoro o gosto de morte que me acompanha. tenho sentido cheiro de carniça, de algo podre, mas não sei onde está. por sentir por dentro, suspeito que está em algum lugar em mim. mas esqueço as vezes e fico procurando com os ouvidos o som de algum coração parado, nessa ou naquela ruína que caminha do meu lado. sinto cheiro de algo morto mas ninguém mais sente, ninguém pergunta, ninguém se incomoda. penso que é como uma fossa que só é notada quando estoura. como o esgoto de um bairro inteiro, represado em uma folha de papel. às vezes procuro com as mãos alguma rachadura em meu corpo, com medo e esperança de achar. o sentido do paradoxo é não ter sentido, mas esse tipo de sentir eu não acho com meu nariz.
sábado, maio 19, 2007
acendo um cigarro e se em silêncio isso só serviu para aplacar uma ansiedade qualquer, adiantaria menos estar com ele aceso e intercalando uma tragada e outra com as vozes que saem de mim. estou sozinho com todas as vozes e elas não me dizem nada, quer eu esteja falando ou esteja apenas assistindo a fumaça ascender contra esse céu acizentado. que essa fumaça se junte com o peso do céu que cái e se sinta lá acomodada, não importa... a luz da brasa que a constrói não ilumina caminho algum. se eu pudesse sentir a chuva, sentiria apenas algo molhado e frio. eu não lembro se lágrimas são frias ou quentes, mas lembro que o sal que à elas dá o gosto é o mesmo que mata a terra e dela impede que algo cresça. se inspiro papel queimado, nicotina, benzopireno, nitrosamina, polônio 210, carbono 14, dicloro-difenil-tricloroetano, benzeno, chumbo, cádmio, níquel, arsênico, cianeto hidrogenado, amônia, formol, monóxido de carbono e mais de quatro mil setecentas e dez substâncias venenosas e cancerígenas e que um dia hão de me matar, não importa. acendo um cigarro e em silêncio vejo o céu despejar apenas água enquanto sopro apenas fumaça.
essa noite quero matar as metáforas.
essa noite quero matar as metáforas.
Assinar:
Postagens (Atom)