tenho sentido cheiro de carniça, de algo morto, que me persegue onde vou. um cheiro que não entra pelas narinas, mas, pelo contrário, sai delas. sai da minha boca. dos meus ouvidos. dos meus olhos. sai dos meus poros como o suor de algo morto que se cansou dentro de mim. mas esse cheiro que sinto não confirmo, não vejo onde está esse cadáver e ignoro o gosto de morte que me acompanha. tenho sentido cheiro de carniça, de algo podre, mas não sei onde está. por sentir por dentro, suspeito que está em algum lugar em mim. mas esqueço as vezes e fico procurando com os ouvidos o som de algum coração parado, nessa ou naquela ruína que caminha do meu lado. sinto cheiro de algo morto mas ninguém mais sente, ninguém pergunta, ninguém se incomoda. penso que é como uma fossa que só é notada quando estoura. como o esgoto de um bairro inteiro, represado em uma folha de papel. às vezes procuro com as mãos alguma rachadura em meu corpo, com medo e esperança de achar. o sentido do paradoxo é não ter sentido, mas esse tipo de sentir eu não acho com meu nariz.
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