domingo, fevereiro 01, 2009

v e n s t e r s

#1

quando fui acordado estava tendo um sonho que me seguiu enquando eu me espreguiçava. e do sonho sobrou a imagem de alguma coisa ainda na cabeça, esvanecendo. e antes de esquecer do que havia sonhado quis guardar no pulmão como um sopro alguma coisa qualquer. prendi o ar até ficar roxo e deixei esse sonho entrar em mim e correr em minhas veias. respirei calmo não porque ainda podia estar calmo àquela hora, mas porque tinha medo de expirar o que sobrava. olhei a janela ainda da cama e vi a mesma paisagem de todos os dias. o quintal. o varal. a escada. a bicicleta. todos atrás das grades da janela. primeiro me perguntei se quem estava preso eram eles ou eu. depois pensei em janelas. e em paisagens. e em todas as janelas que já havia visto e ainda vejo. todas que virão e as que já vieram e foram embora. as paisagens passam e por mais que tentamos, só temos dois pulmões pra guardar a memória com nosso fôlego.

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#2

são quase vinte e cinco metros abaixo, quase sessenta metros até a parede à frente e infinitos metros de mundo para qualquer outro lado que eu olhe e insisto em me manter preso à menor distância. ignoro os flocos de cinza que o vento leva pelo mundo e fumo meu cigarro olhando para o chão. a janela agora me serve para fumar e olhar você sair do edifício vinte e cinco metros abaixo de mim, em direção aos infinitos metros de mundo longe de mim. e claro, o mundo tem infinitos metros e litros e horas e watts volts quilos e todas as unidades de medidas do mundo e eu não sou nem mais nem menos do que tudo o que o mundo oferece. sei e ignoro. é assim mesmo. respiro fundo enquanto a janela me dá o descanso para os meus braços cruzarem em seu peitoril, minha boca sorve a fumaça lentamente e meus olhos olham você de longe indo. a janela é a minha visão apertando os olhos para te enxergar de mais longe, por mais tempo.

virada a esquina, a janela era só um buraco na parede.

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#3

já tinha muito tempo que não parava em canto algum. nunca morava mais de dois anos no mesmo lugar. e de idas e vindas casa alguma significava mais ou menos do que apenas uma casa. mudava porque pensava que ele morava em si mesmo e a casa nada mais era do que uma roupa mais folgada. dizia a si mesmo que todos nascemos nus e aquilo fazia algum sentido para ele. mas ainda assim, um ritual cumpria ao se mudar de e para uma casa: olhava a janela. olhava demoradamente, e como se aquela casa ou aquele apartamente fosse uma camisa ou calça, parecia averiguar se a janela deixava passar seus braços, pernas e cabeça. ou olhava parecendo comparar as janelas mentalmente uma à uma. como se janela alguma guardasse uma paisagem que ele ainda buscava. como se ainda procurasse a visão perdida. claro, sabia que nenhuma janela guardaria paisagem melhor do que aquela que vira ao lado dela. mas repetia para si mesmo, todos nascemos nus. e algum sentido fazia.

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