quarta-feira, julho 23, 2003

Eu parei pra pensar em tentar me reconhecer de novo.

E a surpresa é que eu sou tão diferente de mim mesmo, mais até do que pensava.

Eu fico imaginando aquele menino bobo alegre sentado no fundo da sala ou nas laterais, ou andando por aí de bermudas xadrez e óculos maiores que sua cabeça raspada e cheia de uma inocência burra e besta de dar raiva. E imagino os discos e livros que o menino ouvia e lia. E de suas obsessões e planos que não iam muito além do que sua miopia deixava. Sem paixões arrebatadoras, sem devaneios longínquos, sem planos mirabolantes de fuga. Só um ou dois segredinhos sujos escondidos e só uma ou outra frustração destruidora.

Depois pula pro engraçadíssimo expalhafatosíssimo histrioniquíssimo bobo alegre apaixonado. Cheio de tanta coisa vazia que era fácil sorrir e mais fácil ainda chorar. Mas com paixões, devaneios e planos, tantos planos. Segredinhos sujos, limpos e neutros. Partilhados ao infinito com aquela que ama e divididos ao máximo com toda intensidade. E eu exibia meu coração à frente, dividindo com alguém* e era invencível e imbatível apesar de um loser nato. E era fechado para o meu mundo, e meu umbigo nunca foi tão meu.

E depois o mundo deu uma volta tão grande que quase caí como me puxassem o tapete. E foi como se tivessem mesmo feito isso. Se essa vida era um passeio, eu queria meu ingresso de volta. Todos os planos? Água abaixo. Todas expectativas? Lá embaixo. E como sempre a saída é o riso, que pra quem está vazio vem fácil (mas vai fácil também). E então a vida é um teatro e o mundo é um palco improvável onde todo mundo e ninguém atuam como expectadores incautos e/ou coadjuvantes forçados. E cada cicatriz a mais, cada machucado a mais, cada desgraça a mais viram troféu de mais um dia vencido sem ganhar. Perdendo com honra. Que honra?

Mas ainda assim havia luz. Havia espaço. Havia gosto. E tudo era tão novo que o cheiro já evocava lembranças que ainda não tinham ocorrido. Talvez esperanças de que algo bom ia sair daquela massa indigesta de coisas difusas. Entra o samba do crioulo doido...

Agora o gosto mofou por ficar tanto tempo na boca. Cegou os olhos por estar tanto tempo na retina. Apodreceu com seus humores fétidos da rotina e do cansaço. É, o cansaço... O fim do dia quando o dia ainda tem muito dia pela frente. E o reflexo no espelho fica manchado e sem foco. Você nem pensa que você já não é mais o garoto que nunca tinha beijado. Você é o homem de barba, tatuagem, óculos novos, vida sexual ativa. Mas sua cabeça ainda fica presa num tempo sem estar nele. E a nostalgia é só uma palavra que só de lembrar dá saudade. Cadê a saudade sem pressa?

As coisas são as mesmas e é por isso que você odeia. As pessoas são as mesmas e é por isso que você odeia. O tempo não passa. Fixações e obsessões. O tédio é seu amigo mais legal, e mora contigo, meu amigo...

E quando suas coisas favoritas começam a se esvair na sua cabeça talvez seja hora de desistir. Ou de dormir mais...E tentar lembrar de lembrar das coisas. Uma coisa de cada vez. Uma música até o fim. Um jogo por vez. Com calma. Até o final.

Eu leio tudo isso e nem sei se reconheço que essa é minha vida.

*inspirado em "cara estranho"

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