quinta-feira, abril 21, 2005



jogos de se jogar esperando


chegou esbaforido, correra desde duas quadras atrás, mesmo sabendo, achando, sentindo que o trem ainda não chegara. olhara o horizonte, nenhum sinal. acalmou-se, corrigiu a postura, arrumou o terno, cheirou as flores. sentou-se. seriam algumas horas até que ele chegasse, pensou. procurou uma posição mais confortável abriu um livro de bolso. era algo sobre espera. "apropriado", sorriu de lado. começou a ler, até que cansou. nenhum sinal de chegada, nenhuma fumaça no horizonte. tirou o casaco do terno, fazia bastante calor. via o pouco movimento, pessoas e suas vidas atrás delas. algumas apressadas, algumas mais apressadas. nenhuma parada. uma senhora com um cachorro, uma garota e seu namorado de mãos dadas - suspirou - quase correndo, um executivo, um banqueiro, um encanador, um agiota - como sabia? inferia ou inventava: mais um jogo de se jogar esperando. as pálpebras pesavam num sono leve, pensou em recostar a cabeça, mas o trem podia chegar. nenhum sinal de chegada, nenhuma fumaça no horizonte, nem além disso. reclinou-se no banco, fechou os olhos. abria a cada cinco minutos, tinha o sono muito leve, e sabia que caso o trem chegasse à algumas centenas de metros o próprio barulho do trem o acordaria, mas sentia a cada cinco minutos que o trem já havia passado há dez minutos atrás, e acordava ansioso, nervoso com a perda. e dormia de novo tranquilo de não ver nenhum sinal do trem, nenhuma fumaça, nenhum horizonte. abria os olhos, enxugava o suor do rosto. dormia. abria os olhos ansioso, nenhum trem. a noite chegava. vestia o casaco, sentia frio. as folhes murchavam. o livro acabava, era algo sobre espera - "irônico", sorria ele. dormitava, andava um pouco em volta do banco. tirava o casaco, o suor cobria-lhe o rosto. dormitava, acordava, dormitava, acordava. o livro acabou, algo sobre espera - "coincidência", sorria ele. as flores há muito tornaram-se pedaços secos e sem vida de alguma coisa qualquer. as pessoas passavam, algumas o reconheciam. uma senhora com um cachorro, uma garota e seu namorado de mãos dadas, um executivo, um banqueiro, um encanador, um agiota, um peregrino, um irmão, um primo, um pai, uma mãe - como sabia? o jogo de se jogar esperando. cada olho que o cruzava o angustiava. cada olho que o olhava de dentro de sua órbita arrancava alguma coisa dele. largou o banco num ímpeto. encontrou uma garota "talvez uma violoncelista", imaginou.

- senhorita, que horas chega o próximo trem?
- é...meu senhor, não passa nenhum trem no meio da praça.

nenhum trem, nenhuma fumaça no horizonte. nenhum horizonte.

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