domingo, fevereiro 27, 2005

tratado inconclusivo sobre a solidão.
pt. 1


de uma maneira geral, para todo e qualquer assunto existem no mínimo uma maneira fácil e uma maneira difícil de se explicar o objeto do qual se fala. obviamente a maneira fácil é aquela em que se expõe com maior clareza e objetvidade aquilo que se quer dizer, não deixando dúvida e levando à interpretação correta da maneira mais direta possível. mas isso não interessa àqueles que se atrevem a entrar no campo das maneiras difíceis de se explicar. para esses, as matizes não vêm em rgb e não obedecem nenhuma escala cromática, as formas não se assumem como são e nem tudo que é, é realmente o que quer que seja. e mesmo se for assim, não dá para aturar como sendo e tudo pode ser mudado pela fala. falar é tão importante porque é por ela que se cria o mundo, é por ela que se diminuem as estaturas das coisas para tamanhos cabíveis em pequenas e intricadas frases soltas, em longas e fluidas explicações inexatas.

o paradoxo não está além do que se vê, está estampado em cada coisa que se muda a face pela palavra. o mundo é mundo porque é assim que eu o chamo, o real só é assim porque etimologicamente foi feito assim. não são os átomos, mas as letras que formam a matéria física do que vemos, sentimos e testamos os nossos outros sentidos. que aliás são tão desnecessários para desvendar o mundo quanto são as próprias ferramentas com as quais se deslumbram as visões de coisas que não conseguimos ver. os micros e os macros nada contam se eu não poder dizer o que são. explicando pela maneira simples: não há nada além da palavra. explicando pela maneira complicada: tudo o que existe existe porque tem nome, e nada não existe porque a partir do momento que se cria um nome para isso, a existência da coisa também passa a acontecer. são os nomes os culpados de tudo, são os nomes que constroem o mundo, são os nomes que povoam o mundo.

qual é o meu nome que ainda não foi dito por ninguém, e qual é o nome daquilo que falta existir? eu sinto falta das palavras porque não só elas fogem porque eu não consigo ter controle satisfatório sobre elas, como elas fogem porque o laço que as aperta é sempre muito frouxo, é sempre muito sutil. o dom da palavra é o dom de possuir o mundo, mas para possuir o mundo, deve-se abdicar de tanta coisa que de que vai servir ser dono de algo se para isso o vazio daquilo que se deixa ir é sempre o que pesa mais na balança? a não-existência é sempre mais forte que a existência, apesar de ser sempre mais rara. mas não é isso que se deve falar.

a hora em que estou mais sozinho é a hora em que todos estão juntos vivendo algo em separado. seja a hora de ir dormir, seja a hora de ir trabalhar, seja a hora em que o cidadão que não tem nada a perder ou ganhar senta num banco e fuma um cigarro antes de tomar qualquer decisão que em nada vai mudar o rumo de sua vidinha rotineira. esses momentos são únicos e são imbuídos do que a terminologia chamaria de solidão, mas não é bem assim. todos estão fazendo isso enquanto eu estou aqui fazendo outra coisa. quem está aqui fazendo a outra coisa? quem está aí fazendo a outra coisa? eu não posso sentar num banco e fumar um cigarro antes de tomar qualquer decisão que em nada vai mudar o rumo de minha vidinha rotineira porque eu não possuo esse poder. eu não tenho uma palavra. eu não tenho um nome.

no fim das contas, todos estão sozinhos. mas eu estou mais sozinho ainda.


essa que é a explicação mais difícil.

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