segunda-feira, novembro 10, 2003

capítulo 2

e em cima da cama estava ela. suas alvas espáduas cobertas apenas com o véu de inocência maculada que descia desde seus olhos cinza, um sorriso leve escapava sem querer dos lábios que ainda a pouco sonhava em ter nos meus.
e irradiava. o corpo num crepitar febril a emanar suas energias e seus cheiros, ainda envoltos numa sombra da puerilidade. a penugem bronze cobria da nuca aos braços num sedoso manto de arrepios, levemente eriçados pelo menor toque em seu pescoço, sensíveis aos chamados ansiosos de minhas mãos.

era a sexo que exalava, e era sexo que se inferia daquele contexto. mas as mesmas pernas firmes que abraçavam o meu corpo cada vez mais me sufocando eram as pernas que a arrastariam dali quando eu menos esperasse, eram as mesmas pernas que me afastavam de mim mesmo, eram o sagrado, o profano, o profundo. eram maculadas em cada veia púrpura que transparecia da pele a qual o Sol jamais havia lambido com suas labaredas de luz. porque nelas corriam o fogo que seu corpo frio esforçava-se a esconder, porque nelas corria o sangue que sua mudez tentava esconder, porque nelas havia vida que seus lábios falhavam em esconder.

e a nudez que figurou sonhos e incitou suores estava tão ali presente e era tão real que a resistência cedia antes de esboçar existir. afoguei-me em seus braços, em seus pêlos, em seus seios...e como um náufrago sem um destroço de esperança para me agarrar, me deixei levar em suas correntezas... na maré de suas delícias... no deleite de seus prazeres...

...mas em cada arfar escondia-se algo. porque os olhos cinza já não tinham o mesmo brilho opaco e vago, e dos cachos que se esparramavam sedosos sobre a cama já não se via o idílico sonho de perfeição. porque a boca que domei à própria língua escancarava-se em um contido silêncio. os lábios repuxados num sorriso sinistro de satisfação, a fazer pilhérias com minha sisudez. o ventre a queimar e a espalhar seu cheiro quente e viciante. as pernas que me sufocaram largadas sem energia. alvas. maculadas. impuras. porque em sonhos elas eram impossíveis e frias, distantes. suas pernas eram como deusas da minha mitologia própria, onde seu corpo era um olimpo imaculado e sagrado. nunca que se cruzariam em minhas costas. nunca que apertariam minhas costelas. nunca que seriam em minhas mãos devoradas.

era de culpa a lágrima que eu verti.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

E aí?