sábado, agosto 30, 2003



depois de quase um mês o livro tem um desfecho agora. ainda meio arrebatado pela crueza do livro eu tento ver se consigo escrever alguma coisa sobre ele. ou pelo menos sobre mim depois dele.

Petersburgo, 1856


essa sala agora é quase o “manicômio social chamado Peterburgo” e depois de ser arrastado até o fundo do poço, o autor ainda me empurra em direção ao Abismo. não é como todo livro já que o final não é nem de longe feliz, mas também não é em si um final triste. é um final verdadeiro ao extremo. um final-limite. de uma beleza terrível, como ele diria.



O homem é um enigma, se você passou a vida inteira tentando decifrar esse enigma, não diga que perdeu seu tempo. Eu quero compreender esse enigma, porque eu sou antes de tudo um ser humano.*

o enigma se apresenta na forma do “positivamente belo” e “idiota” no príncipe Míchkin; da beleza quase tirana, extrema e terrível e na irrascividade e “loucura” em Nastácia Filíppovna; da determinação absurda do ciúme e no extremo da condição de perdido e do “desregramento mundano” em Rogójin; das inquietações de uma família decadente em busca de um porto nas delicadezas totalitárias da antiga alta sociedade russa no meio de um turbilhão de acontecimentos e escândalos dos Iepántchin; enfim, em todos os personagens únicos e profundos que os cercam. cada vida retratada com detalhismo psicológico cruel, quase terrível. os Homens-comums, os Homens-supérfluos, os Homens-originais, os Homens-de-ação são arquétipos que não resolvem o enigma, mas mostram as nuances do que é ser Humano.



Petersburgo, meados de 1860



o zelo com que Dostoiévski descreve todo esse mundo cinzento da enevoada Peterburgo e da asfixiante beleza (porém um pouco feliz, apesar de tudo) de Pávlovsk e cada vileza e nobreza dos homens e mulheres que os povoam é vista com clareza afinal, escreveu o livro “com deleite e inquietação” como o próprio promete, no meio de problemas com dívidas de jogo, crises epiléticas e viagens ao exterior.


foram nos bancos verdes ao redor desse parque em que Aglaia Iepántchin e príncipe Míchkin se encontraram. Dostoiévski se baseou num parque real na cidade de Pávlovsk ao escrever grande parte da narrativa.


não dá pra não se apiedar do personagem e do autor. ambos epiléticos e arrebatados por um amor verdadeiro e puro. seja um amor pela “beleza terrível” seja um amor pelo “enigma humano”, o livro é basicamente um tratado sobre o que é o amor (em todas as suas modalidades) e todos os sentimentos subjacentes e conseqüentes a ele. como o ódio, o ciúme, o desespero, a melancolia, a angústia; e sobre o que o amor leva as pessoas a fazerem.

outro autor russo, Mikhail Bakhtin, verdadeiramente e irrefutavelmente afirma que os personagens de Dostoievski não “vivem uma vida biográfica (...), pois Dostoiévski concentra a ação nos pontes de crises, fraturas e catástrofes”, isso é tão presente na obra que chega a ser sufocante ler a vida dessas pessoas sem ao menos se emocionar.


o abismo


agora a angústia que me causou o final do livro já diminuiu um pouco, mas uma melancolia e uma certa compaixão pelo ser humano ainda estão aqui, com sofreguidão a se arrastar por minha cabeça. e tudo que eu escrevo agora soa quase imbecil, portanto eu faço minhas as palavras de Boris Schnaiderman quando diz que “decorridos tantos anos, e depois que se gastou tanta tinta com o romance, aquele desfecho continua desconcertante e abissal, um verdadeiro desafio à nossa capacidade de aceitar as ações de uma personagem literária”.

depois disso eu não quero dizer mais nada para não soar pior ainda. apenas leiam “O Idiota” de Fiódor Dostoiévski e se maravilhem com essa que é uma das maiores obras de um dos melhores autores de toda a literatura mundial.

raphael, 29/08/2003 às 13:14h

*obrigado à Ligia que me mostrou essa frase.

leia o livro (em inglês) aqui.algumas fotos foram retiradas daqui e daqui. sem permissão de ninguém, mas obrigado e desculpa.

quinta-feira, agosto 28, 2003

ah! e já não basta o leve desespero em que me encontro nesse dia, um companheiro velho veio me visitar: a dor.

(que horrível esse começo de post)

estou doente. de novo. mas dessa vez pelo menos não sei do que se trata então minha hipocondria e minha imaginação pelo menos se divertirão nos pesadelos dessa noite.

"and the nominatedes are" (salve, salve daniela mercury)

#hérnia de disco
#inflamação nos rins
#desenchabimento da titela
quarta-feira foi o dia do psicólogo e eu até pensei em colocar algo aqui. mas é uma coisa tão delicada no momento que falar qualquer coisa não me traria nenhum bem.
foram três parabéns para mim. eu que não sou psicólogo. e que, quem sabe, jamais tornarei me um.
e quando eu digo que é um assunto delicado, em parte se deve a como as pessoas encaram isso que eu falei aí em cima. sobre não saber se serei um psicólogo algum dia.

"porque você não desiste e tenta outra coisa?" é a primeira coisa que eu ouço. aliás, a segunda. a primeira é "e você gosta de psicologia?".

eu gosto de psicologia. menos do que há um ano atrás, mas ainda assim gosto. mas o problema não reside em não gostar do assunto (que aliás, é um assunto tão nhénhénhé que qualquer um gosta e fica curioso) mas eu não ver perspectivas para mim, raphael silva nascimento, na profissão.

eu não me vejo trabalhando com isso. e nem sei o que do isso que eu vou pegar pra trabalhar. é tudo tão confuso, tão chato e desesperador que eu, já a meio caminho de pegar o canudo, estou quase que entregando os pontos.

isso é só um desabafo, não me levem a mal.

mas ainda assim, pra quem é: feliz dia dos psicólogos.

quarta-feira, agosto 27, 2003

Depois do beijo da Lisa Marie Presley e Michael Jackson, a parte dois dos...

... Beijos Mais Bizarros Já Televisionados Do Século:




(e a Pitty cantava na platéia "bizar-rÔ, bizar-rÔ, bizar-rÔ"...)

segunda-feira, agosto 25, 2003

Muito tempo que não escrevo nada aqui.

Mas tanta idéia na cabeça que não deu nem pra arrumar. Bateu tudo e se confundiu na minha cabeça.
Agora nem sei mais o que escrever. Mas espera que vai.


...um dia vai.

quinta-feira, agosto 14, 2003

Ela é filha da vizinha da rapariga do cabo de capela (Maria Scombona)

Sabe aquele lance "ah, eu conheço o primo do vizinho do cunhado de fulano de tal"?
Pois existem pessoas que levam isso a sério e dizem que você possui um elo social com TODA (eu disse TODA) e qualquer pessoa do mundo com em média seis contatos intermédiários entre você e seu "amigo". Eu li isso aqui.
Quer ver um exemplo? Eu sou amigo do primo da esposa de um dos caras do Brujeria. Viu?

<----------------------------->

Eu -----> Ian ----> Bianca ----> Cara do Brujeria


Existe uma pesquisinha muito legal sendo feita na Universidade Colúmbia e você pode fazer parte aqui. Esse é o projeto Small World e esse experimento online funciona mais ou menos assim: você deve mandar uma mensagem para uma pessoa-alvo em alguma parte do mundo. Como? Mandando emails para pessoas que você ache que esteja mais perto dele do que você e nessa corrente você talvez chegue até seu alvo.

Esse é meu alvo:



Conheçam o Karl Erik Birkeland. Ele é um veterinário que atualmente mora em Sortland, na Noruega.

Para alcança-lo, de uma perna pulo o Atlântico e vou direto para o país dele.

Esse é o meu primeiro contato:



Conheçam Mads Olaf Niesje. Ele é um...errr...amigo da internet que mexe com computadores. Ou algo do tipo.

A quantas pessoas será que eu estou do Karlão?

segunda-feira, agosto 11, 2003

Hoje de noite eu chupei laranjas. Tão bonitas, amarelas e doces, com o gosto da minha infância.

Quando eu ia pro interior eu chupava muitas laranjas. Eu tenho minha casa lá, que não é minha mesmo, mas de minha tia.
Minha tia era grande e forte. Tia Nane. E eu queria ser forte como ela quando pequeno. "coma tudo pra ser forte que nem tia Nane!" minha mãe já dizia. Minha tia Nane era casada com meu tio Zé. Ele também era forte, muito forte. Um homem do interior, como era minha tia Nane uma mulher do interior, com tudo de melhor que poderia haver nas pessoas de interior.

Meu tio Zé tinha fazendas, sítios, chácaras e coisas que as pessoas de interior as vezes tem. Tudo muito simples como ele. Uma casinha de tijolinhos e argamassa, sem laje. Um curral. Bastante verde e bicho e espaço pro menino de cidade correr e brincar. E ele tinha laranjais, como as pessoas do interior daqui têm aos montes. Montes e montes de laranjais. O meu tio Zé vendia laranjas e dava laranjas (e como era sempre quando íamos no interior, voltávamos com um saco enorme de laranjas no fundo do carro) e guardava laranjas em casa porque ele adorava laranjas.

Nós tínhamos esse monte de laranjas sempre em Lagarto (o interior) e fazíamos de tudo. Tomávamos o suco fresco que minha tia fazia de manhã super gelado e deliciosamente doce. Montávamos uma banquinha na porta de casa, com minhas primas, e brincávamos de vendinha (baldes de laranja R$0,50 o balde, mas não leva o balde, viu?) e víamos o dinheiro chegando com satisfação pra gastar tudinho na banca de doces de Sô Tônho. E ainda chupávamos laranjas.

Às vezes chupávamos laranjas a tarde toda. As tardes eram quentes na garagem de cimento batido vermelho (que manchava o pé!) e ficávamos sentados conversando e chupando laranjas. Minha tia chupava de pé. Fazia barulho como todo mundo fazia (chup! slurp! chup!) e arrotava bem altão! Minha mãe dizia que era feio e reprimia minha tia, mas ela ria bem largo. O sorriso dela era delicioso como as laranjas, sorriso de boca grande e alto alto alto...Contagiante. Minha tia ria e arrotava alto. E a gente arrotava também. Pirralhinhos e o menino da cidade sentados no sofá de mola, arrotando e chupando laranjas. Ela ensinava a gente a chupar sem se melar (eu me melava todo!) e a gente não aprendia, mas ficava chupando laranjas o dia inteiro e rindo com (e de) minha tia. Tudo aquilo com o cheiro de laranja, guardadas nos sacos enormes que meu tio Zé trazia do sítio.

Meu tio Zé tinha uma faca daquelas dobráveis e descascava laranjas calado. Ele usava um chapéu como os caubóis e botas. Ele não arrotava, mas ria bastante também. Minha tia usava uma faca da cozinha de cabo branco. A faca já tinha sido amolada tanto que parecia uma meia lua. Eu chamava de "faca de açougueiro" porque parecia com uma e também já tinha cortado um pedaço do dedo de quase todo mundo da casa. Os dois sabiam como descascar laranjas. Como eu não sabia eu sempre pedia pra eles descascar pra mim. Eu ficava sentado sorriso nos dentes esperando. "Raphael, pegue sua laranja". Eu ia sorriso nos dentes pegar. Minha tia conseguia descascar certinho, deixava a laranja branquinha. Ela não feria a laranja como nós dizíamos. Eu feria bastante, rasgava, amputava largos pedaços de laranja.

Às vezes a gente tava vendo TV e minha tia chegava na sala, a camisa amarrada em cima da barriga, de chinelo e bermuda com um prato de laranjas perfeitas, cortadas e descascadas e a gente ia chupar laranjas no quintal. Minha tia rindo e arrotando. Eu ria e arrotava também. O quintal tinha árvores. Cinco. E tinha areia! E galinhas e os gatos que as atacavam. E o galo que "enrabava" a gente (quando enrabar era correr atrás da gente). Tinha a goiabeira que a gente subia pra conversar. Tinha a sala de tranqueiras que as galinhas botavam ovos (ovos azuis, vocês já viram!?) tinha a porta pra garagem que a gente se escondia e ia chupar laranjas. No começo tinha o curral abandonado, que virou casa em construção e nós brincávamos...
Agora tem um monte de lembranças.

Da garagem que virou vídeo-locadora. Do quintal que virou cozinha. Das laranjas que viraram história.
mais tímidas mudanças no blog. links adicionados.
sites: Spamotomy, Star Wars: ASCIImation e o explodingdog;
blogs: Orlando Orfei, Blog'n'Roll e o falecido (mas não menos engraçado) Eu Amo Manu !

domingo, agosto 10, 2003

Nunca sem minhas amígdalas.

As minhas aventuras dessa semana foram um tanto quanto novas para mim.
Estou com amigdalite, uma doença que já me assolou há tempos imemoriais, mas que agora já não é a velha amigdalite viral velha de guerra, mas uma novíssima Amigdalite Bacteriana 2003® (versão beta).

Começa com um simples arranhar na garganta, uma tossezinha tímida tímida e o seu sentido de aranha começa logo a tilintar "aí vem gripe!".
Mas não. Já no segundo dia, ta da! Pequenos pontos de pus já brilham em suas ainda esbeltas tonsilas (tá, amigdalas...).

A partir daí o quadro só piora, né? E você começa a amaldiçoar o seu sistema imunológico "porra, podia ser uma gripe, né?".

Mas o melhor é que quando você está com a garganta tão inchada que você pensa que vai competir com sua uretra você não consegue prescisa comer! Ou seja, você ainda perde uns quilinhos!

Quanto ao tratamento, se você tiver sorte de ter problemas de estômago você vai adorar tomar os antibióticos. Pessoalmente, eu adquiri uma nova percepção e um novo significado para as palavras "Efeito Colateral" e "Reações Adversas". Agora amiguinho, pra uma dor me derrubar vai ter que ser MUITO forte. Hooray!

E quanto ao status da minha doença no momento, bem Amigdala direita: 40% inflamada; Amigdala esquerda: 100% inflamada. Ou seja, tou "quase" melhorando. Pelo menos posso comer e sair da cama. Ah! E ficar na Internet...

Até a próxima e muito obrigado pelos votos de melhoras.

quinta-feira, agosto 07, 2003

a pig in a cage on antibiotics

por motivo de saúde o blog vai tirar uns dias de férias.

e não se preocupem, tenho quatro amiguinhos tomando conta de mim:
sr. flotac, dona cepacaína, doutor bicarbonato de sódio e a ilustre senhorita celadin c.

obrigado.

segunda-feira, agosto 04, 2003

Tem um texto preso aqui dentro. E depois de meses fermentando eu já não sei se vai sair algum dia. Como que ele acostumou a ficar aqui dentro, com vergonha de sair, ou medo de encontrar outros olhos (os primeiros então).

E como eu posso ter um breve vislumbre do texto preso aqui dentro, eu digo: Ele promete. Como todo mundo, ele promete e como eu e você, as vezes ele não cumpre.

Mas e se você não acha que um texto deve prometer, cumprir ou fazer alguma coisa, então te dou um segundo pra você parar de ler esse post agora.


(...)



Quando o texto sair você vai ser o primeiro a saber; Ou pelo menos eu te deixo ser a próxima casa dele, se ele for assim aceito.

Enquanto isso, assim como o vinho teme virar vinagre, o texto teme perder sua hora. Mas fica preso aqui dentro.

domingo, agosto 03, 2003

Já há muito tempo existem os testes da internet. E desde quando eu me entendo por internauta que me interesso por eles. Sites como o Emode e o TheSpark me davam horas de diversão naqueles tempos primordiais, onde eu firmava meu perfil como internauta em noites de muito, mas muito tédio. Mas esse tempo foi passando e o interesse pelos testes foi ficando para trás. Depois, de uma hora para outra, houve um boom nos testes, algo como um novo hype em matéria de nerdisse descolada. E não houve criatividade suficiente para acompanhar o ritmo de crescimento dos testes. Com a abertura de novos sites onde você facilmente poderia fazer um teste próprio personalizado, a internet afundou num mar negro de coisas exdrúxulas como "Que sistema operacional da Microsoft você é?", "Que tipo de piercing você é?", "Que canal de TV por assinatura você é?" dentre muitas outras coisas mais bizarras ainda.

E meu interesse por testes foi totalmente deixado de lado. Viciei-me em blogues.

Mas então me vejo agora fazendo psicologia. Não que seja grande coisa, ou que eu até seja um grande aluno. Não sou, sou um aluno razoavelmente fraco. Com bastante limitações no que se refere à técnica e disciplina na aprendizagem. Mas não é esse o tema de meu post.
Enfim, como muitos devem saber (se não, saibam agora), psicólogos trabalham com testes.

-Grande descoberta Raphael, acho que você merece um Grammy.

E eu coincidentemente encontro hoje um teste cujos resultados parecem bastante com aqueles que terei que trabalhar mais tarde. E são vários testes de cunho psicológico, muito mais do que eu pensava. Eu primeiro penso "pô, pelo menos é mais legal que descobrir qual disfunção da glandula hipotalâmica eu sou" mas depois, num desses arroubinhos de psicólogo-wannabe eu fico me indagando "pô, eu tou sofrendo todos esses anos para fazer psicologia e ter meu monopólio sobre testes e qualquer mané pode se apropriar de minhas teorias e técnicas e fazer um site-teste?". Fosse um caxias começaria a tecer comentários sobre a inutilidade e a futilidade desse tipo de teste e desfiaria toda uma sabedoria adquirida em anos de prática teórica num argumento exdrúxulo porém grande, intricado e bonito e terminaria meu post com uma frase complementar enriquecedora e fechosa...

Mas esse post não leva a lugar nenhum.

DisorderRating
Paranoid:High
Schizoid:Low
Schizotypal:Moderate
Antisocial:Moderate
Borderline:Moderate
Histrionic:Very High
Narcissistic:High
Avoidant:High
Dependent:High
Obsessive-Compulsive:High

-- Personality Disorder Test - Take It! --


Esse sou eu numa tabela.

sexta-feira, agosto 01, 2003

"Em fins de novembro, clima morno, por volta de nove horas da manhã o trem da estrada de ferro Petersburgo-Varsóvia se aproximava de Petersburgo a todo vapor..."


essa é a primeira frase de O Idiota, de Dostoiévski, livro que pretendo começar a ler.
Existe uma coisa fascinante em Dostoiévski e no mundo que ele retrata, onde os personagens perdem o brilho e a aura característica da literatura pra arrastarem-se foscos e rançosos por um mundo de miséria e definhamento. E se o atrativo maior não é serem seus livros ambientados numa Rússia real, crua e suja que já não existe mais, talvez seja então o comportamento humano que se apresenta e que se é designado em sua maior amplitude.
O homem é verdadeiro e profundo em Dostoiévski. Talvez um pouco mais feio, ou um pouco mais pobre. Talves um pouco mais puro e bom, como é o idiota Michkin. Mas os bons e puros são enfim, idiotas.

Ler livros ditos "enormes" é uma tarefa deliciosa, apesar de ser as vezes cansativa. E ler um livro "enorme" de Dostoiévski deve ser em particular um trabalho meticuloso e delicioso, ainda. Seja por tentar não se atrapalhar com os nomes dos seus personagens, seja por tentar acompanhar, com fôlego, cada mergulho que ele dá na alma Humana.

Tenho apenas pouca experiência com o velho Fiódor Mikhailovich Dostoiévski, começada anos atrás, numa versão de bolso de um livro pequeno de quase 300 páginas chamado O Jogador. Foi comprado num acesso fútil de consumismo, eu assumo. E por motivos nada além de aleatórios escolhi o livro. Me senti interessado pelo que um russo do século XIX poderia me dizer. Mas desde então fui quase que sugado inteiramente no consumo desse livro...E depois de empanturrado de toda a grandeza e toda a miséria humana, eu pensei em ter mais disso.

O segundo contato se deu num supermercado. Livros são caros, e sei que às vezes vale a pena pagar mais. Mas ainda assim, comprei a minha cópia de Crime e Castigo por míseros R$8,90. Ainda era meu Dostoiévski, pequeno, atarracado, grosso e sem jeito. Capa feia e páginas ruins de manusear. Mas ainda assim, era o meu Dostoiévski...E depois de ler essa obra-prima do mestre (em acessos de tédio das férias e depressão causados por um ano ruim da universidade) tornei-me um apaixonado pela sua literatura. Uma paixão a segunda vista, mas ainda com pouca base para se tornar uma fixação. Ou muito pouco para que eu fosse digno de dizer-me fã.

A terceira compra foi ocasional. Fui comprar um livro. "Acabou de fechar". Fui em outro lugar. "Tem Dostoiévski?". Foi o primeiro nome que pensei. "Tem sim...". O Idiota, R$54,00, Editora 34. Ensacado e levado pra sala de aula, ficava brincando com ele. Dando olhadelas e sorrindo pra ele, com uma vontade enorme de abrir aquele colosso na frente da professora e mostrar pra ela que a porra da aula que fosse pra casa do caralho, eu tava com meu Dostoiévski.

Mas ele ficou no canto...Aliás, na cabeceira. E desde 06/07 eu não tocava nele. Nem tinha passado do primeiro capítulo e já tinha largado ele no canto. Coisas e coisas e coisas depois, cá estou eu de volta com ele. E pretendo começar já. Um prazer programado que é ler aquilo que você gosta descomplicadamente (que apesar de tão profundo assim, seus livros são diretos e claros. Uma clareza assustadoramente bela).

Vai ser bom ler um livro enorme. Vai ser bom ver mais coisas sobre Dostoiévski lançados autobiograficamente em seus livros. Vai ser bom me desligar um pouco das coisas do dia a dia e ler, ler, ler, ler, ler...