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depois de quase um mês o livro tem um desfecho agora. ainda meio arrebatado pela crueza do livro eu tento ver se consigo escrever alguma coisa sobre ele. ou pelo menos sobre mim depois dele.
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essa sala agora é quase o “manicômio social chamado Peterburgo” e depois de ser arrastado até o fundo do poço, o autor ainda me empurra em direção ao Abismo. não é como todo livro já que o final não é nem de longe feliz, mas também não é em si um final triste. é um final verdadeiro ao extremo. um final-limite. de uma beleza terrível, como ele diria.
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O homem é um enigma, se você passou a vida inteira tentando decifrar esse enigma, não diga que perdeu seu tempo. Eu quero compreender esse enigma, porque eu sou antes de tudo um ser humano.*
o enigma se apresenta na forma do “positivamente belo” e “idiota” no príncipe Míchkin; da beleza quase tirana, extrema e terrível e na irrascividade e “loucura” em Nastácia Filíppovna; da determinação absurda do ciúme e no extremo da condição de perdido e do “desregramento mundano” em Rogójin; das inquietações de uma família decadente em busca de um porto nas delicadezas totalitárias da antiga alta sociedade russa no meio de um turbilhão de acontecimentos e escândalos dos Iepántchin; enfim, em todos os personagens únicos e profundos que os cercam. cada vida retratada com detalhismo psicológico cruel, quase terrível. os Homens-comums, os Homens-supérfluos, os Homens-originais, os Homens-de-ação são arquétipos que não resolvem o enigma, mas mostram as nuances do que é ser Humano.
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Petersburgo, meados de 1860
o zelo com que Dostoiévski descreve todo esse mundo cinzento da enevoada Peterburgo e da asfixiante beleza (porém um pouco feliz, apesar de tudo) de Pávlovsk e cada vileza e nobreza dos homens e mulheres que os povoam é vista com clareza afinal, escreveu o livro “com deleite e inquietação” como o próprio promete, no meio de problemas com dívidas de jogo, crises epiléticas e viagens ao exterior.
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foram nos bancos verdes ao redor desse parque em que Aglaia Iepántchin e príncipe Míchkin se encontraram. Dostoiévski se baseou num parque real na cidade de Pávlovsk ao escrever grande parte da narrativa.
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não dá pra não se apiedar do personagem e do autor. ambos epiléticos e arrebatados por um amor verdadeiro e puro. seja um amor pela “beleza terrível” seja um amor pelo “enigma humano”, o livro é basicamente um tratado sobre o que é o amor (em todas as suas modalidades) e todos os sentimentos subjacentes e conseqüentes a ele. como o ódio, o ciúme, o desespero, a melancolia, a angústia; e sobre o que o amor leva as pessoas a fazerem.
outro autor russo, Mikhail Bakhtin, verdadeiramente e irrefutavelmente afirma que os personagens de Dostoievski não “vivem uma vida biográfica (...), pois Dostoiévski concentra a ação nos pontes de crises, fraturas e catástrofes”, isso é tão presente na obra que chega a ser sufocante ler a vida dessas pessoas sem ao menos se emocionar.
o abismo
agora a angústia que me causou o final do livro já diminuiu um pouco, mas uma melancolia e uma certa compaixão pelo ser humano ainda estão aqui, com sofreguidão a se arrastar por minha cabeça. e tudo que eu escrevo agora soa quase imbecil, portanto eu faço minhas as palavras de Boris Schnaiderman quando diz que “decorridos tantos anos, e depois que se gastou tanta tinta com o romance, aquele desfecho continua desconcertante e abissal, um verdadeiro desafio à nossa capacidade de aceitar as ações de uma personagem literária”.
depois disso eu não quero dizer mais nada para não soar pior ainda. apenas leiam “O Idiota” de Fiódor Dostoiévski e se maravilhem com essa que é uma das maiores obras de um dos melhores autores de toda a literatura mundial.
*obrigado à Ligia que me mostrou essa frase.