domingo, agosto 29, 2004

estreito.

já há três dias chovia quando ele abriu a porta e saiu andando, do jeito que estava. nem trancou as portas que protegeriam os poucos pertences que ele ali mantia, a televisão ligada, o telefone fora do gancho. apenas coisas. a chuva caindo em gotas gordas e gélidas, explodindo em seu rosto, em seus óculos, escorrendo pela barba por fazer, encharcando suas roupas e meias, invandindo pelos poros levando um gélido arrepio a tocar seus ossos. ele apenas saiu andando sob a chuva. os passos o guiavam na tarde cinzenta e apenas os passos dele se veriam pela rua caso um ou outro olhar procurasse por algo do lado de fora de cada mundinho particular. das janelas não se esperava nada pois as ruas que se mostravam ainda eram as mesmas e o dia que desabava líquido era o mesmo. nenhuma razão. mas isso pouco importava pois mesmo as janelas, portas, muros e coisas passavam ao largo do seu olhar, ele caminhava olhando para a frente. decidido, alguem diria. mas não é o caso.

o céu massacrava a terra e a enchia de som. aquele som assutador de chuva forte, impedindo-o de ouvir os proprios passos. e os próprios pensamentos. a roupa que ele iria trabalhar agora era uma segunda pele pesada e fria, uma ótima metáfora e caso ele parasse pra pensar nisso, certamente ele daria uma risada disfarçada. nem pensara em se desfazer do que atrasava os seus passos, não tinha pressa de chegar, apesar de andar rápido. e o céu envolvia-o úmido e morto. o ar pesava. por detrás das nuvens carregadas o sol caminhava pelo céu num arco, como se junto dele participasse de uma corrida. mas o sol não parava de seguir seu caminho, e ele já não mais conseguia perseguir o seu mergulho, caminhando cada vez mais devagar, os passos cada vez mais arrastados, o olhar cada vez com menos lume... e depois do sol já ter corrido por quase toda a abóbada, ele parou. o olhar ainda se mantinha fixo num ponto que talvez nem ele conhecesse. o corpo começava a falhar. deu alguns passos vacilantes e caiu por terra. o olhar ainda aberto para o mundo que se restringia num ponto distante enquanto a boca suspirava o resto de ar que ele guardara em si.

as pernas haviam andado muito, mas os olhos não tinham saído do lugar.

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