segunda-feira, março 22, 2004

"ah! já não aguento mais esse fardo que pesa sobre mim" - dizia ao doutor - "e essa vida a arcar minhas costas está me custando muito, doutor...". era examinado com o olhar cínico do doutor, que há pouco havia engolido um comprimido daqueles que os doutores usam para se manter de pé. " é um sem fim de coisas a se adicionar à minha coluna convexa que já não sei mais o que é ter a cabeça sobre os ombros". o doutor impassivo olhava os instrumentos e receituários em cima da mesa. resmungava. levemente irritado. "talvez pudesse sair dessa sozinho, mas com a cabeça tão baixa não consigo ver o horizonte, não consigo sonhar". o doutor fungou, aquiesceu automaticamente e com habilidade enrolou seu braço no aparelho de medir pressão. estava impaciente. "e o pior é não ter ninguém que pudesse me guiar. ou ter ao menos um cachorro, acho... sinto que continuar assim eu irei bater minha cabeça contra todos os postes do mundo. é claro, metaforicamente falando, doutor...". o médico emitiu de um só ar "pressão normal..." como se num suspiro inconformado. impaciente, cada vez mais impaciente. resolveu olhar os reflexos oculares e checar ouvidos. " talvez seja o normal se sentir assim nesse mundo cada vez mais caótico, talvez esse gancho que se tornou minha coluna seja obra da natureza, mas apesar de não confiar muito na medicina, resolvi ver qual era o problema que..." o médico parou de repente e olhou nos olhos do paciente, interrompendo-o. olhos vazios de sentimento qualquer - os comprimidos! - e então, automático como quem respira, abriu o jaleco e tirou de dentro um velho machado enferrujado, desferindo com velocidade e precisão quase cirúrgica um golpe bem no meio do rosto do paciente, abrindo sua cabeça em duas metades rubras. limpou com um pedaço da camisa os óculos banhados em sangue e enxugou o rosto com o mesmo pano seboso. então, tirou o jaleco e saiu voando pela janela.

deixou o corpo para a atendende.

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