capítulo III
carlos gastava seu tempo ocioso em ações completamente inúteis e de certa maneira levemente imbecis. o dia inteiro tinha sido de enfrentamento e acabara de perder o emprego - que na verdade já havia planejado sair em dois meses - e então carlos resolveu ir para casa e fazer qualquer ritual "comemorativo" por ter se livrado do regime de semi-escravidão em que era mantido na agência até então. não estava particularmente feliz, e menos ainda triste. mas sentia que algo estava se formando dentro dele e isso mereceria todo o tempo de uma tarde em solidão na sua casa.
o que carlos resolveu fazer? colagens. uma prova mais que concreta até para ele mesmo de que talvez regimes de semi-escravidão o livrassem de gastar minutos e horas em coisas que seriam um desperdício de sua vida. se ainda fosse um artista e de um papel em branco e milhares de pedaços de papel coloridos saissem formas e texturas incríveis, mas não. era um medíocre, sabia disso, e cagava e andava para a pura constatação dos fatos que provavam isso. ele ainda era uma criança na sua cabeça e melar as mãos de cola para depois arrancar a resina ressecada como se arrancasse uma segunda pele era um momento mágico e divertidíssimo.
começou fazendo falsas mensagens de sequestro com letras recortadas e ria e se divertia com suas mensagens bizarras e sem graça alguma. "estou com seu cachorro. devolva-me o meu ou o mato" e "sua mulher está comigo, pague-me dez mil reais ou a deixo voltar pra casa" foram as coisas mais "geniais" que carlos conseguiu criar usando o máximo de sua pífia criatividade para o humor. depois de se cansar e de já ter deitado no chão, cheio de si. pegou pedaços coloridos de papel e tentou colar em um padrão. fazia várias formas e vários desenhos abstratos e estranhos. ou feios, como queiram.
depois de umas boas 2 horas fazendo isso, notou a bagunça que havia feito, a energia que tinha dispendido e a quantidade de papel rasgado, cola e sujeira que havia na sala e se espalhava caoticamente e se sentiu o mais imbecil dos seres humanos. ou que provavelmente não era o mais, mas estava dentro de uma ampla faixa dos menos privilegiados. sentiu que não era mais criança e que por mais que tentasse permanecer infantil e jovial, era um adulto que apenas teimava em não crescer. notou que a cola que endurecera na sua mão parecia rugas e percebeu que odiava tudo isso que havia vivido. percebeu que foi um erro sair do trabalho (bem, no caso ter feito de tudo pra ser expulso). percebeu que toda a sua vida desde que saiu de casa tinha sido a big fucking mistake, como ele gostava de falar misturando inglês com portugues. foi um momento de ilumanação, se você acredita nisso.
então carlos chorou, e chorou e chorou. deitado com o rosto no chão sentiu a dor de não ser nada do que ele queria. e ter perdido tanto tempo e tanta força em coisas que ele sabiam ser inúteis. deu vontade de quebrar tudo o que ele tinha, de tocar fogo na casa, de pular da janela (caso ele morasse em prédio) e vontades inúteis e levemente imbecis como ele. sentiu que sua auto-suficiência era uma fachada que escondia a mais dura e triste solidão e pensou que alguém poderia tirar ele daquilo tudo, pensou e pensou mas não achava ninguém. chorou mais um pouco até que lembrou da única pessoa que ele já havia gostado tanto a ponto de sentir dor. lembrou de como as coincidências até em seus nomes eram engraçadas. lembrou de como era se portar como adulto de vez em quando e como era ter planos que se extendiam por mais do que 3 fins de semana.
"oi...ana?". era a ana do outro lado da linha. carlos perguntou como estava, repetiu as mesmas frivolidades e burocracias de sempre, escutou as novidades e perguntou por sua irmã. "ela não mora mais aqui". por um segundo o coração de carlos gelou e ele hesitou um pouco até que ana oferece e número de telefone dela.
com o coração em solavancos ligou então para carla.
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